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Gosto tanto de futebol que, em 2010, essa tarde em que se defrontaram as selecções portuguesa e brasileira no mundial de futebol passei-a eu enfiado no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian.
Embora forçado a transferir o horário de trabalho para o fim do dia, sempre me livrava a duas horas de berreiro na redacção, durante os quais ninguém trabalhava. Muitos por tanto berrarem em frente aos televisores outros por não o conseguirem fazer.
Por mero acaso - apanhara Machado Vaz num desses programas de discussão sobre futebol e resolvera ver o que tinha o psiquiatra a dizer sobre o assunto - acompanhei as conferências de imprensa no final do Benfica-Porto para a Taça da Liga.
No seu jeito peculiar, Jorge Jesus arengava sobre a grandeza do Benfica e as vantagens de enfrentar um pesado calendário de jogos apenas resultante do facto alegadamente épico de ainda estar envolvido em três frentes de combate futebolísticas: Taça da liga, Campeonato e, salvo erro, a Champions.
Embora torça pelos encarnados, confesso que o discurso pouco me comove. O tom é épico, vibrante, mas já se sabe que o clube dificilmente sobrevive ao embate com a realidade. Não empatou, nem sei com quem, este fim de semana? E depois, aqui entre nós, embora aproveitável para um sem fim de metáforas trata-se só de um jogo. Nada de decisivo para a vida das pessoas se joga ali. Nada naqueles discursos empoladíssimos faz grande sentido. É tudo conjuntural.
Embora possa, mais ou menos, nalguns casos (o Porto dos anos 1980 e 1990, por exemplo), ter um suporte estrutural, para as glórias passadas contam bem mais os acasos e golpes de sorte. Para as preferências clubística pesam só e apenas razões sentimentais. Nada racional explica a paixão por um clube em detrimento de outro. Que acometido por um orgulho acrisolado numa agremiação recreativa e de desportos - de projecção internacional, mas não mais que isso - um cidadão ericeirense tenha decidido expôr a sua causa ofendida ao Ministério da Educação só mostra a falta de sentido das proporções de boa parte dos amantes do futebol.
Há dias, apanhei três miúdos no Metro de Lisboa, fins da adolescência, saindo na Quinta das Conchas, classe média educada. Iam absolutamente engalfinhados uns nos outros por causa do futebol. Um deles recitava com forte empenho a cartilha que eu vira ser elaborada por Jorge Jesus apenas uns dias antes. Nem uma hesitação, nem uma crítica, nem uma ideia sua. Um credo, recitado com fervor. Há tempos, no seu discurso dos chineses, Paulo Futre conseguiu arrancar muitos comentários jocosos, vindos de muitos lados. Curiosamente, a prestação, valeu-lhe convites para anúncios publicitários e para um programa televisivo. Os meios televisivos e publicitários são conhecidos por reciclarem qualquer sinal de notoriedade, negativa ou positiva, mas Futre não se ficou por aí. O ex-jogador do Atlético de Madrid, Sporting, Porto e Benfica tem vindo desde então a ser bastante convidado para leccionar workshops sobre motivação.
Passar na televisão torna Futre credível fora do campo de futebol e transforma Jorge Jesus numa fonte doutrinal. A questão é: Alguém acredita que se os ouvissem no café alguém levaria a sério o que dizem tais indivíduos?
Não admira que também nos sectores jornalístico, político e económico exista tanto discurso acrítico. E em boa parte não terão sequer pontos de vista mais sólidos e fundamentados que os de Futre ou do treinador do Benfica.
O ser humano parece mais feito para repetir argumentos de outros do que para pensar autonomamente e produzir raciocínios próprios. Mas, ao menos, quando falasse, podia ter a honestidade intelectual de referir as fontes dos seus argumentos: "Isto que eu estou a dizer até foi defendido por Jesus. O Jorge, o do Benfica e não o de Belém."
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