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É a segunda vez, em pouco tempo, que vejo mal atribuída a Woody Allen a frase "Conhecia-a antes de ser virgem".
Santana Castilho usa-a como título de artigo "Conheci o PS antes de ser virgem", referindo-se ao papel do partido no sector da educação. Termina o comentário atribuindo a ideia a Woody Allen.
Ora, a frase tem origem hollywoodesca, sim, mas é mais antiga. E refere-se orginalmente a Doris Day, uma das louras de Alfred Hitchock, o cineasta com quem trabalhou em O Homem que sabia demais e a quem também já vi a frase atribuída.
O autor da frase terá sido Oscar Levant, o sarcástico e demolidor pianista de Um Americano em Paris. Em The memoirs of an amnesiac, a autobiografia que publicou em 1965, recorda a sua última participação num filme da Warner. Fora em 1948, em Romance no Alto Mar, de Michael Curtiz. "Foi o primeiro filme de Doris Day; isso foi antes de ela se tornar virgem", escreveu.
Marques Mendes é um político que cria factos que interessam ao seu partido, o PSD, e que uma estação de televisão usa como comentador.
Ontem deu o tiro de partida. Falou da necessidade de remodelar o Governo de António Costa. Como se fosse uma figura neutra, Mendes falou na mudança de titulares nas Finanças, na Economia e na Educação.
Se o primeiro pode ser acusado de falta de habilidade e o segundo de mal se dar por ele, com a pasta da Educação a coisa é diferente.
Remodelar Tiago Brandão Rodrigues é uma reestuturação que serve sobretudo os donos de colégios privados e os autores e editores de livros e manuais de exames - clientelas do anterior governo, apoiado por Marques Mendes.
Do lado do BE, da CDU e dos sindicatos é muito pouco provável que existam grandes queixas do ministro. Estão bem recordados de Nuno Crato. Resta a Marques Mendes ir dando uma má imagem do ministro Tiago Brandão Rodrigues. Queimá-lo em fogo lento.
O tiro de partida de Marques Mendes e a ideia de remodelação têm obvia intenção partidária, Mas os seguidores estão garantidos.
O facto virtualmente inexistente na véspera foi de imediato aproveitado por vários interessados no fim do Governo de Costa. De ontem para hoje até surgiram jornalistas a dar como garantido que Costa "já percebeu que tem de efectuar uma remodelação governamental".
Os achanços e desejos íntimos de Marques Mendes e de alguns jornalistas ainda não se tornaram factos. Embora pelo que se vai lendo, às vezes pareça.
A falta que fazem jornais e jornalistas com outra cultura, capazes de dar o outro lado dos discursos e acompanhar de outra perspectiva as vicissitudes de um Governo apoiado pela Esquerda parlamentar.
Ana Sá Lopes tem-se rendido ao termo partidário geringonça com que o seu jornal (o i) e os apoiantes do PSD e do CDS-PP se referem ao Governo de António Costa viabilizado pela esquerda parlamentar. Tinha obrigação (e experiência) de pensar melhor na escolha semântica política e nos seus efeitos.
Hoje não falou de geringonças. Fez antes uma pergunta acerca do paradeiro da ministra da Administração Interna, o que fará algum sentido. Só que na explanação da ideia estampava-se um bocadinho:
"Onde anda a ministra da Administração Interna? De férias noutro fuso horário? Ninguém a substitui?"
Se Ana Sá Lopes se preocupa com a falta de supervisão política de topo, a conversa é uma. Se se encanita com a falta de um suplente, então aí devia ver mais televisão.
É que já teria topado com Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, a falar acerca dos incêndios em vários canais televisivos. Se a cabeça politica do Ministério não se mostrou, já não se pode considerar que os responsáveis do sector tenham desaparecido do espaço publicado.
Outras questão passa pela eficácia dos governantes. Terá Jorge Gomes sido eficaz? Não sei, confesso. E, aqui entre nós, parece-me que Ana Sá Lopes - uma jornalista respeitável, que é injusto associar ao mau jornalismo português - também não saberá grande coisa da eficácia ou falta de eficácia da acção do secretário de Estado.
De qualquer modo, perguntar pelo paradeiro de Constança Urbano de Sousa faz menos sentido do que parece.
O problema dos incêndios é um problema do Ministério da Agricultura. Lugar onde o ministro da Agricultura Capoula Santos não está pela primeira vez e que foi ocupado nos quatro anos e meio antes dele por Assunção Cristas.
Verão após Verão, os fogos florestais repetem-se em Portugal com uma regularidade dramática. Perda de bens, perda de vidas, perda de memórias. Das outras vezes de Capoulas, já havia fogos. Havia fogos quando chegou e continuou a haver fogos depois de deixar a pasta.
A propósito dos incêndios, o comunista Vítor Dias repesca hoje uma intervenção do seu partido. Foi feita em 2003, já Sevinate Pinto, no Governo de Durão Barroso e Paulo Portas, substituíra Capoula Santos. Pelo resumo do que Agostinho Lopes então disse se percebe como parte das questões de há 13 anos eram já as mesmas,
Nos quatro anos e meio de Assunção Cristas na pasta das florestas prosseguiram os fogos. Aliás, o Verão de 2013, quando a ministra esteve de licença de maternidade, foi brutalmente mortal. Nesse ano, nove bombeiros perderam a vida no combate a incêndios florestais.
Como se recorda no Aventar, a hoje presidente do CDS-PP teve más ideias para a floresta portuguesa. Favoreceu, por exemplo, a monocultura do eucalipto - uma opção que entre outros defeitos facilita a propagação das chamas. Não se pode dizer que a herança deixada por Assunção Cristas tenha sido brilhante.
O problema é de ordenamento florestal e do território e não de meios e técnicas de combate. Marcelo Rebelo de Sousa tem razão. Não dá para encolher os ombros, nomear uma comissão, aguardar pelo próximo Verão e esperar que tudo volte a arder.
A Bola de hoje tem como manchete "Rafa mais perto do FC Porto". Já o Record tem como manchete "Rafa mais perto do Benfica".
Quem se trama é o leitor, que fica por informar com as notícias divergentes dadas pelos dois jornais. Mas quem ganha com estas manchetes? Os clubes de destino, o Sporting Clube de Braga, o jogador, o empresário do jogador?
Uma questão é obvia. Ao mostrar rivalidades de dois clubes na corrida pelo mesmo jogador, melhoram-lhe o preço.
O caso das viagens pagas pela Galp também traz dividendos divergentes. Se serve à oposição, também serviu à petrolífera pois fragiliza um contendor no diferendo fiscal com o Estado.
A coisa passou à frente de vários olhos jornalísticos. Dos autores da adaptação da peça nos lugares que a publicaram, aos editores e chefias que terão aprovado a sua publicação.
A ninguém ocorreu que uma prática de medicina tradicional (até vem lá escrito na notícia), conhecida também em Portugal (e divulgada com um nome que será contemporâneo - e não milenar, como a prática) não pode ser conhecida pelo nome sem tradução atribuído por um canal de televisão norte-americano.
Falta-lhes noção de contexto e de cultura.
Bem sei que a peça quererá responder a uma curiosidade dos leitores surgida agora, mas o jornalismo além de curto, claro e conciso tem de ser culto.
Ficarem a cultura e a reflexão à porta das redacções explicará que numa publicação portuguesa se chame cupping a uma prática com origem na China, Egipto e Médio Oriente antigos.
Nos jornais (onde há gente que lida com a língua portuguesa e com as novidades) há sempre uns artistas a redescobrir o fogo e a dar nomes ingleses a coisas tão velhas como o Partenon.
Curioso, que os alinhamentos noticiosos e as primeiras páginas dos jornais de hoje já não guardem referências directas* ao caso das viagens de governantes à vista de toda a gente e pagas pela Galp.
Ou os actores do PSD e do CDS-PP foram de férias ou o novo emprego petrolífero de Paulo Portas (e os incêndios florestais) lembrou-os de que correm o risco de sair chamuscados desta guerra. A ver se se contêm mais uns dias ou se não resistem, que a coisa tem potencial.
* A propósito do novo emprego de Portas, o jornal i fala de nova legislação do PS acerca de transparência
Mas irá ao México e em trabalho que Portas ganhou bastante expertise nos sectores da construção e dos combustíveis, nas bem recentes passagens pela Defesa e pelos Negócios Estrangeiros.
Portugal escapou às sanções e será preciso ver se consegue evitar os cortes nos fundos estruturais cuja decisão foi diferida para Setembro.
Se a execução orçamental vai andando dentro das metas, há outras questões preocupantes em termos financeiros. A dívida e a estagnação económica são decisivas. E ainda vem aí a queda dos bancos italianos e alemães a dificultar (ou a impedir) a retoma.
O país está obrigado pela União Europeia a cumprir um determinado défice. De contrário, é castigado de acordo com os compromissos e regras acordadas. Vê-se pois forçado a gastar com a Administração Pública apenas uma percentagem muito baixa do PIB.
Para evitar as despesas o Estado evita fazer investimentos. Mas sem investimentos, o país não melhora a situação económica. E assim, não aumenta o Produto Interno Bruto, que permitiria, com a mesma despesa na administração, continuar a baixar o défice tal como previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento, Tratado Orçamental e nos compromissos europeus.
Uma pescadinha de rabo na boca e uma equação irresolúvel. Até porque a Dívida não pára de subir. Até porque se torna necessário pagar os juros que foram relativamente diferidos e se vão vencendo entretanto.
Governos sucessivos atiraram para o futuro os juros de empréstimos - boa parte dos quais contraídos por necessidades de desenvolvimento. Piores foram os contraídos junto da tróica, que serviram para pagar a especulação financeira e as apostas de risco da banca. Tal como está, a dívida portuguesa é impagável.
Ou se põe fim ao Tratado Orçamental ou se renegoceia a dívida. O ideal seria fazer as duas coisas. O que acabará por suceder, porventura a mal. Continuar a fazer de conta não resolve nada. Mas é ainda essa a perpectiva de muitos dos próximos do PS.Se bem que não de Pedro Nuno Santos ou João Galamba - o futuro socialista.
Da banda empresarial pede-se investimento, mas continuam a fazer-se as mesmas exigências de cortes no Estado e no Trabalho - sem perceberem como não bate a bota com a perdigota.
A solução de experiência económico-social que o país gozou durante os quatro anos de Passo Coelho e Paulo Portas conduziu ao atraso e a um retrocesso do desenvolvimento e não resolveu nenhum problema real do país.
Pelo que representa de uma certa atitude cultural, o caso é grave e os comportamentos dos três governantes não são admissíveis.
No entanto, quando li o título "Quero quando não posso e não quero quando posso", julguei que Francisco Louçã se referia à situação.
Afinal não. Quem identifica um certo discurso de modo claro é o autor do blogue O Jumento com o título "Putas velhas armadas em virgens puritanas."
Aproveitando o articulado usado hoje - por uma jornalista sempre opiniosa e pouco dada ao exercício do contraditório - numa entrevista conduzida a meias: serão senhores "de um percurso e uma coerência peculiares".
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