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Marques Mendes deve ter muitas coisas interessantes para dizer. Digo deve ter pois não lhe sigo o programa semanal de tempo de antena na TVI.
Para antigos líderes do PSD com programas televisivos já me basta episodicamente o mais divertido Marcelo, eterno candidato à Presidência da República. E para formar uma opinião, prefiro a prática quotidiana de cada partido ao ponto-de-vista prosélito ou auto-promotor. É mais segura.
O antigo ministro da comunicação social de Cavaco diz que o FMI e o Governo já vão tratando da refundação pedida há dias por Pedro Passos Coelho. Acho bem.
Primeiro, levam-se vinte ou trinta anos a dizer que a segurança social é insustentável. Pelo caminho, segue-se o mesmo processo com a educação e a saúde. Em simultâneo, destroem-se a já então muito frágeis indústria e agricultura nacionais. Gasta-se dinheiro dos contribuinte em pareceres, em obra pública entregue a parcerias público-privadas e a empresas de amigos, duplica-se a estrutura do estado com empresas, observatórios, institutos onde fica facilitada a colocação de boys e se contorna os mecanismos da contabilidade e da contração públicas.
Quando deixa de haver dinheiro, recorre-se a empréstimos usurários junto da banca (Fernando Ulrich é um dos que se financia a juros baixíssimos para o emprestar ao Estado com juros muito mais altos) e diz-se que como se tem de pagar os juros todos, o país não pode sustentar nem as escolas nem os hospitais, nem os desempregados, nem os reformados.
Deve ser o tal desvio muito grande entre o Estado que os portugueses querem ter e o que podem pagar, de que falava o Gaspar. Ainda bem que há quem nos mostre onde devemos querer que seja gasto o dinheiro dos nossos impostos. Seja o Governo, seja o FMI.
Durante as anteriores depressões mundiais, não existia internet, nem redes sociais.
A destruição de África nos pós-independências, acometida pela descida dos preços das matérias primas e forçada a assumir empréstimos esmagadores, não comoveu ninguém fora do humanitarismo pop dos Live Aid.
Os japoneses dos anos 1990 e os sul-americanos da década de 1980 sofreram dentro de fronteiras o seu próprio empobrecimento.
Em Portugal, a zanga tem trepado. Acabou o tempo dos encolheres de ombros conformados, crentes nas virtudes da austeridade cega e na fábula da cigara e da formiga. Não são já esses a maioria dos que se ouvem nos directos televisivos. Nenhum governante sai já à rua sozinho. Não tarda, comentadores irão pelo mesmo caminho.
Se, como tudo indica - a cupidez criminosa da Finança, do FMI e dos bancos centrais não dá para mais -, a crise europeia e norte-americana galgar os muros, não se espere que os povos voltem a sentir-se sozinhos. A rede tratará de unir os pontos, a aproximar as fomes, as misérias, as falências. E identificará seus autores e responsáveis. No Ocidente, o apagão digital dificilmente será consentido.
Duvida-se que a humanidade esperasse vir a viver tempos tão interessantes.
O FMI é uma máquina de destruir países. A afirmação que há pouco tempo seria encarada pela maioria como um excesso de radicais, é assumida pela própria responsável máxima do fundo.
Christine Lagarde reconheceu há dias o falhanço em toda a linha do FMI. Erros de cálculo, efeitos secundários das medidas que propõe. Na altura não se escreveu nada. Para quê? Há muito tempo que se disse por aqui o que Christine Lagarde admitiu finalmente. Sobre a instituição, sobre as inevitabilidades defendidas pela maioria dos comentadores.
Quando já tudo se sabe há anos, mas quando tudo o que se sabe era ridicularizado pelo status quo, valerá a pena tirar desforço?
Ontem Jorge Sampaio, cujas boas intenções e humanismo ninguém negará, voltava ao projecto do Governo de Salvação Nacional, em entrevista na SIC Notícias. A medida, pedida por muitos em 2011, e agora recuperada, é uma coisa tecida entre os velhos partidos do arco do poder, deixando de lado CDU e BE.
Quem o pede ainda não percebeu nada. Nesse Governo, não entra um único dos partidos que na devida altura tenha contestado a tróica e suas medidas. Não entra nenhum dos que avisou para o que aí vinha. Nenhum dos que acertou na necesssidade de medidas que agora são já admitidas por quase todos, como a renegociação da dívida. Ou dos que há uma dezena de anos alertaram para os perigos da moeda única numa economia como a portuguesa e que, também por isso, foram mais uma vez marginalizados e hostilizados.
Nem sequer colhe o argumento de que CDU e BE recusaram receber a tróica quando ela entrou por ai a dentro. Nenhuma pessoa honesta acredita que CDU ou BE teriam demovido BCE, Comissão Europeia e FMI de aplicar a velha e tradicional receita que já se sabia iriam aplicar. Estava escrito nas estrelas mas só CDU e BE alertaram para as consequências catastróficas de em paralelo sanear as finanças públicas e pagar a dívida externa com juros agiotas.
Em Belém, Cavaco pode vir agora, pelo Facebook, acertar na necessidade de relaxar o cumprimento do défice público. Pode ter pedido, há que tempos, em Florença, a unidade dos Estados na resposta à crise. Mas o que é que fez, antes e depois, para ser consequente com essas afirmações? Veja-se, por exemplo, o discurso do 5 de Outubro.
Chegado ao poder, o PSD tratou de aplicar uma mézinha que há muito queria aplicar. No interior laranja, ninguém se lhe opôs de modo audível. A reacção interna só agora começou. Para quem tem acompanhado o percurso político de Mota Amaral, não surpreende que não tenha aplaudido a defesa do Governo durante a discussão recente das moções de censura. Não surpreenderá que chumbe o orçamento para 2013.
No CDS-PP adaptou-se o discurso, como se tem feito sempre. Ali não há convicções. Há populismo. E, se não ficarem no poder com o PSD, não desdenharão ficar com o PS. Estão no Ministério da Solidariedade onde a lógica é da aplicação de terror social. Não saberiam que seria assim? Felizmente, vai grassando o desconforto com os falhanços das previsões de Gaspar, que ainda se vê descrito, aqui e ali, como um técnico respeitável e conhecedor. Sairá expulso por indedente e má figura, quando nunca lhe deviam ter dado o direito de admissão.
O país está pior do que há um ano e seis meses. Daqui a um ano e seis meses estará ainda pior. Mas, no PS, em altura de emergência nacional, António José Seguro resolve discutir uma medida populista de redução do número de deputados. Parece mais interessado na burocrática perpetuação no poder dos partidos do pântano. Ensaia também uma certa união dos países do sul contra os países do norte, mas nada diz sobre arrasar os fundamentos suicidas da União Europeia.
Sem o BCE a financiar os Estados - como defendeu ontem a CGTP no final da marcha contra o desemprego, na concentração frente ao Parlamento, sem que a imprensa faça disso eco claro - e sem uma reconstrução europeia que deite fora os fundamentos destruidores do Tratado de Maastricht, não há esperança para Portugal nem para a Europa do Sul. Sem o fim e a nacionalização das parcerias público privadas e sem obrigar os bancos a investir no fomento, a economia portuguesa não recuperará.
Nos três partidos do tal governo de salvação nacional, ninguém admite tocar nisto. Ainda não perceberam que têm de deitar tudo fora. Mesmo que queiram que tudo fique na mesma.
Se o António José Seguro avançar com a petição para correr com a antiga musa laranja que o Expresso tanto promoveu, conte comigo para a assinar.
Vasco Pulido Valente escreve bem.
Depois terá estado seis meses em Oxford, o que para o indígena parvenu justifica qualquer carreira.
Infelizmente, incapaz de fugir ao ego, à zanga, transfere para as análises não realismo pessimista, mas auto-estima arrasada.
Mas isso é só problema dele.
O nosso é que cai demasiadas vezes na armadilha das falácias e há quem o leve a sério.
Mais coisa, menos coisa, em defesa de Christine Lagarde, na sexta-feira, despachou que a Europa Ocidental (aquilo que Vasco gosta de arrumar na categoria esquerda bem-pensante) se está borrifando para as crianças do Níger.
Não é bem assim. Pulido Valente estará. Tal como o estará Christine Lagarde, directora-geral do Fundo Monetário Internacional, que não paga impostos mas exige que os gregos pobres os paguem.
Ninguém minimamente informado acredita que as preocupações de Christine Lagarde com a fome em África ou os miúdos sem cadeiras nas escolas do Níger sejam legítimas e consequentes. A instituição tem feito muito pela destruição das economias africanas.
Que nenhum dos dois seja capaz de perceber que a nigerização europeia não risca um fósforo no fim da pobreza no mundo é parte substancial da tragédia.
Ao ler Christine Lagarde, os mais distraídos acharão que a senhora dirige uma dessas organizações humanitárias que contribuem para o desenvolvimento africano..
E das duas uma. Ou a directora-geral do nada virtuoso FMI descobriu uma vocação tardia de Miss Universo ou deixou-se contaminar por José Manuel Barroso, o seu correligionário dos cartazes "Nem mais um aeroporto para a Ota, enquanto em Portugal houver uma criança sem leite com chocolate".
Mas nem sequer é isso o mais divertido.
Partidária da vitória da Nova Democracia ou do PASOK, Christine Lagarde faz bem em hostilizar os gregos. Sobranceria, arrogância e ingerência são os argumentos mais atraentes quando se quer chamar eleitores para o nosso lado.
Força, Christine, força.
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