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Há um par de semanas, no jornal de um dos partidos de esquerda que viabiliza o governo de António Costa, punham-se em destaque duas frases de uma entrevista dada ao jornal i pela jornalista Maria Flor Pedroso, presidente da comissão organizadora do IV Congresso dos Jornalistas.
"Alguns jornalistas têm medo de participar neste congresso"
e
"Muitos de nós não nos revemos em grande parte daquilo que vemos, ouvimos e lemos".
A escolha do jornal contribui para uma determinada narrativa acerca da crise do jornalismo português. Mas, mesmo que residualmente acertada, é uma narrativa daninha para a inteligência da questão.
É um erro persistir na ideia do medo dos profissionais. Tal como é um erro acreditar que nas publicações se exibem, dizem e escrevem coisas diferentes daquelas em que jornalistas se revêem. O que não é verdade. Nem na forma, nem na substância.
Ora, o que a narrativa desse jornal partidário insinua como solução é uma operação de simples simetria: acabar com um eventual medo (o que é sempre bom) e exibir, dizer e escrever coisas em que outros se revejam. Na melhor das hipóteses, ter-se-ia direito a um discurso mais plural. Mas informar não é dar algo em que os espectadores se reconheçam, nem continuar a sobrecarregar, de modo tóxico, o espaço público de discussão com conteúdos alternativos a metro.
O problema do jornalismo é de ordem cultural. Um problema não apenas do direito à produção do discurso, mas também do reconhecimento do discurso - da não-exclusão do discurso, para falar em termos foucaultianos.
Nada disso se resolve sem mudar de alto a baixo a cultura das redacções, cortando cerces os paradigmas e os mecanismos de reprodução existentes.
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