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(Fonte: caras.pt)
Esse José Gomes Ferreira que anda aí agora - não o verdadeiro, mas este que arranjou um nicho de mercado para publicitar mais austeridade - está há anos a dar tempo de antena e a megafonar os pontos de vista dos que gritam Esfola sempre que o governo manda matar.
Hoje, fez publicar no sítio da SIC Notícias uma carta onde se insurge contra o Manifesto dos 70. Entre outros argumentos, que a coisa não podia ser publicada agora, que estamos à beira do fim do programa de assistência.
Ou seja, o sempre tão palavroso publicista da ordem ultra-liberal, tão opinativo que até tem a pretensão de tocar o rabecão dos programas de Governo, quer agora calar os outros.
Belmiro de Azevedo sobe na lista dos mais ricos do mundo e diz que os salários só podem aumentar quando aumentar a competitividade.
(Foto: radiocampanario.com)
A TSU teve o condão de despertar uma grande maioria de portugueses para a injustiça da governação do PSD/CDS-PP e da presença da tróica. Foi quando perceberam que lhes iam aumentar os descontos para a reforma não para fazer face às dificuldade da Segurança Social, mas para transferir o dinheiro obtido para as contas dos seus patrões.
Acordou-se. Em todos os quadrantes ideológico. Em todos os sectores profissionais. Mais vale tarde que nunca. Só que há um problema. É que o esbulho, que outro nome se lhe pode dar?, não é de agora. E continua.
Já há muitos anos que os portugueses andam a transferir o seu dinheiro para o bolso dos patrões. Conheci muitos e muitos estagiários, licenciados, a quem os pais pagavam para trabalhar. Vindos de fora de Lisboa, alguns ganhavam menos que o salário mínimo, insuficiente para fazer face às despesas com transportes, alimentação e habitação, e trabalhavam às dez e doze horas diárias. Isso não impedia que chefias recebessem anualmente prémios de dezenas de milhares de euros pelo sucesso comercial do empreendimento ou que o patrão pudesse perder 50 milhões de euros em bolsa. E nem falo do meu caso.
Sucessivos códigos laborais (de Bagão Félix, de Vieira da Silva, de Pedro Mota Soares, CIP, CCP, CAP e UGT) aumentaram o tempo de trabalho, flexibilizaram-no, acrescentaram-lhe mais meia-hora, cortaram feriados, desvalorizaram o valor das horas extraordinárias e do trabalho suplementar, esmagaram indemnizações, desestruturaram vidas familiares e atiraram as mais valias resultantes da coisa para o bolso de patrões, que nem por isso contrataram mais gente.
No fundo, é o efeito pimba. O gosto está por educar e o óbvio vence. Isso explica o sucesso de Tony Carreira em contraponto com, por exemplo, Amélia Muge, uma compositora de excepção. Só quando a coisa se torna muito evidente é que a população a percebe.
(Foto: blogue Terra Imunda)
Está cada vez mais articulada em termos oratórios a resposta que os portugueses dão para o seu descontentamento com a crise. Isso foi bem claro na vigília que ontem se realizou durante o Conselho de Estado.
A existência destas manifestações tem feito com que durante um lapso de tempo razoável se quebre o grande consenso narrativo que tem imperado nalguma classe política e entre a maioria dos comentadores televisivos. Uma forma de combater inevitabilidades, quando se anda na rua e ainda se ouve muita gente resignada com a profundidade da austeridade necessária.
Depois, coincidente ou não com o apelo de um sindicato da PSP à contenção da corporação antes do 15 de Setembro, nestas últimas iniciativas de protesto não se falou em cargas policiais mal explicadas. Embora tenha sido aproveitada na imprensa, onde existe quem goste sempre de acenar com os perigos de uma qualquer mano negra, a detenção de manifestantes não ofuscou o impacto dos movimentos. As imagens televisivas são mais que suficientes para destruir esse discurso.
No próximo sábado, dia 29, a CGTP, que não foi ouvida por Cavaco em vésperas de Conselho de Estado, tem uma manifestação marcada e corre o risco de a ver substancialmente alargada em relação ao habitual. Os que continuam a fazer o discurso anti-político, bem nutrido por muitos representantes da classe, talvez não estejam lá, mas a convergência com outras forças existirá. Há pouco espaço na imprensa, como muitas vezes acontece, para ignorar ou passar a vol d'oiseau pela iniciativa da central sindical.
Dia 5 de Outubro, talvez o último a celebrar-se, enquanto feriado, nos tempos mais próximos, realiza-se na Aula Magna, em Lisboa, o Congresso Democrático das Alternativas. Manda a decência editorial que tenha tanto tempo de antena televisivo como uma recente iniciativa de uma fundação ligada a um supermercado. Os organizadores não querem que a coisa seja um momento de chegada e todos os episódios contam para manter vivo o discurso contra a inevitabilidade.
Na feliz expressão de Ana Sá Lopes, Portas tenta "convencer-nos de que fuma «troika», mas não inala".
É o salto em frente que mais do que fragiliza a coligação em dia de enormíssima manifestação. Portas é aquele fulano que fica sempre bem na fotografia e há sempre quem se preste a ajeitar-lhe o cabelo e a sacudir-lhe o pó do blazer.
*Título roubado a Lawrence Durrel, num dos seus volumes dedicado às cenas da vida diplomática (e afinal o que é que está fazendo o ministro dos Negócios Estrangeiros?)
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