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(Foto: radiocampanario.com)
A TSU teve o condão de despertar uma grande maioria de portugueses para a injustiça da governação do PSD/CDS-PP e da presença da tróica. Foi quando perceberam que lhes iam aumentar os descontos para a reforma não para fazer face às dificuldade da Segurança Social, mas para transferir o dinheiro obtido para as contas dos seus patrões.
Acordou-se. Em todos os quadrantes ideológico. Em todos os sectores profissionais. Mais vale tarde que nunca. Só que há um problema. É que o esbulho, que outro nome se lhe pode dar?, não é de agora. E continua.
Já há muitos anos que os portugueses andam a transferir o seu dinheiro para o bolso dos patrões. Conheci muitos e muitos estagiários, licenciados, a quem os pais pagavam para trabalhar. Vindos de fora de Lisboa, alguns ganhavam menos que o salário mínimo, insuficiente para fazer face às despesas com transportes, alimentação e habitação, e trabalhavam às dez e doze horas diárias. Isso não impedia que chefias recebessem anualmente prémios de dezenas de milhares de euros pelo sucesso comercial do empreendimento ou que o patrão pudesse perder 50 milhões de euros em bolsa. E nem falo do meu caso.
Sucessivos códigos laborais (de Bagão Félix, de Vieira da Silva, de Pedro Mota Soares, CIP, CCP, CAP e UGT) aumentaram o tempo de trabalho, flexibilizaram-no, acrescentaram-lhe mais meia-hora, cortaram feriados, desvalorizaram o valor das horas extraordinárias e do trabalho suplementar, esmagaram indemnizações, desestruturaram vidas familiares e atiraram as mais valias resultantes da coisa para o bolso de patrões, que nem por isso contrataram mais gente.
No fundo, é o efeito pimba. O gosto está por educar e o óbvio vence. Isso explica o sucesso de Tony Carreira em contraponto com, por exemplo, Amélia Muge, uma compositora de excepção. Só quando a coisa se torna muito evidente é que a população a percebe.
(Foto: Público)
No bipolar Causa Nossa, Vital Moreira recupera o velho mantra do PS de que foram o PCP e o BE que provocaram a queda de Sócrates e a chegada de Passos Coelho ao Governo ao não aprovar o PEC IV. Tirando para efeitos de guerrilha partidária e de exarcebamento interno, é absolutamente peregrina a ideia de que comunistas e bloquistas devam ser uma espécie de tutores de outro partido.
Os três pacotes de estabilidade e crescimento anteriores tinham sido já chumbados pelos partidos à esquerda do PS e aprovados pelo PSD e pelo CDS-PP. Seria natural que fosse junto destes que o PS voltasse a recolher apoios. Se queria os votos à sua esquerda, teria de ter adaptado o quarto pacote. Não o fez.
No Causa Nossa, blogue de que é co-autor com Ana Gomes, Vital Moreira, o candidato derrotado por Paulo Rangel, do PSD, nas últimas europeias, insurge-se contra o PCP e o BE por "exigir[em] que o PS faça coro com ele" pela queda do Governo do PSD/CDS-PP. Diz haver "companhias que comprometem... "
Talvez tenha razão. Num partido onde a maioria dos militantes e simpatizantes se declaram de esquerda pontos de vista como este outro, uma manifesta deriva do antigo líder da bancada comunista, algo dirá sobre a ambiguidade das companhias em que o PS tantas vezes anda, entre o duríssimo discurso de João Galamba e a abstenção nas últimas alterações ao Código do Trabalho.
A questão é meramente académica e até admite uma resposta positiva, mas, na linha da pergunta lançada por Vital Moreira ao CDS-PP, a interrogação é legítima: pode o PS estar na oposição e ao mesmo tempo apoiar este Governo?
Ontem, os três partidos (e não só. Estavam lá muitos eleitores do PSD e do CDS-PP) desfilaram lado-a-lado entre a Praça José Fontana e a Praça de Espanha. Dia 29, na manifestação convocada pela CGTP, alguém arrisca previsões?
Obviamente, tenho um lado claro na questão da Lei Laboral. Da mesma maneira que o têm jornalistas e editorialistas publicados que garantem a pés juntos não o ter e que se asseguram equidistantes e objectivos.
Conheço demasiado bem os critérios que levam um trabalhador a ser muito ou pouco apreciado. E a qualidade está longe de estar no topo da lista. Nos jornais também.
Este Governo (como o do PS com Vieira da Silva ou com António José Seguro) acusa PCP, Bloco e PEV de estarem agarrados a ideias do século XIX. Pouco importa a evidência factual de que a monumental regressão laboral seja efectivamente levada a cabo pelos que fazem a acusação. Pouco interessa que todos os dias, apesar das sucessivas reformas, os números do Desemprego provem como é flexível o mercado laboral português. E os ditames da tróica não justificam tudo. Não se consegue perceber em que medida a facilidade de despedimento prejudica o défice público, intocável divindade dos tempos que correm.
E, no entanto, dir-se-ia que os partidos acusados de estar parados no século XIX estão presos a uma ideia ainda mais antiga: Aquela de que os seres humanos têm de comer, de vestir-se, de se educarem, de ir ao médico, de morar em algum lado.
Como, para sobreviver, a maioria de nós vê-se forçado a trabalhar - o que sucede também com as empresas, embora se veja muitos empresários absolutamente convencidos de que produzem sozinhos - não há como não dar poder aos empregados.
Não existe a mínima hipótese de procurar o equilíbrio numa relação contratual, quando todo o poder é dado a uma das partes. É o velho rifão: "Queres conhecer o vilão? Mete-lhe o pau na mão." Podia dizer que não tem de ser assim. Talvez seja verdade. Infelizmente, conheço demasiadas provas do contrário. Até na pele.
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