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Os estágios curriculares dos cursos de jornalismo também servem as redacções.
Não se ensina nada, mas ao menos aprende-se a trabalhar à borla.
As universidades armadilharam o jornalismo com a parte não lectiva dos mestrados pós-Bolonha.
Depois de no primeiro ano se ter aulas ao estilo das licenciaturas, aquilo conclui-se no ano seguinte através da escrita e apresentação de uma dissertação, a chamada tese de mestrado; de um trabalho de projecto; ou de um estágio com relatório.
Está bom de ver que boa parte dos estudantes de ciências da comunicação, dos que pensam no jornalismo, preferem o estágio com relatório. Assim, tentam assentar praça numa redacção, lugar onde andam aos caídos e, pior, onde não aprendem absolutamente nada que faça sentido para lhes complementar a formação científica.
Em compensação, estão convencidos de que se podem fazer notar. De que têm ali uma oportunidade, dizem.
Só que nenhuma licenciatura de comunicação ganha absolutamente nada com os estágios curriculares. E um estágio profissionalizante, necessário para a obtenção da carteira profissional, é coisa absolutamente diferente,.
Um estágio curricular faz sentido em áreas disciplinares de forte componente experimental, onde os gestos façam a diferença, como nas medicinas. Onde a formação teórica necessite de se relacionar com uma prática e com um saber fazer que a universidade não pode dar. Não se pode fazer um diagnóstico sem estar com um doente real. É um campo do saber onde a prática simulada não substitui a prática real. Em Medicina não se consegue dar resposta aos pressupostos da profissão e aos conhecimentos obtidos com a formação superior se não se souber fazer determinados gestos ou cumprir determinados protocolos complexos. Nestes casos, a falha, o não juntar da compreensão teórica e da compreensão prática podem ter consequências letais.
Já o jornalismo é de uma simplicidade atroz. Precisa apenas de ver respondidas seis questões (O Quê? Quem? Quando? Onde? Como? e Porquê?) e seguir um código deontológico. Não é preciso um estágio para seguir estas práticas. Qualquer cidadão mediano consegue pegar num telefone, fazer essas perguntas a um interlocutor e transmitir as respostas. Muito menos faz sentido que uma Universidade reconheça valor científico a um estágio onde não se pode fazer mais do que responder às benditas seis questões.
Pode argumentar-se que há a rádio, que há a televisão, que há o digital. Que recorrem a outros meios. Mas é que nem aí se justifica um estágio curricular. Justifica-se, sim, um curso de formação. Mas mesmo sem aqueles meios o essencial do jornalismo continua a passar pela resposta às referidas perguntas e ao cumprimento de um código deontológico. E não pelo uso do equipamento.
As questões jornalísticas, aquelas a que interessa dar resposta num currículo científico de um curso superior de ciências da comunicação, não passam por filmar ou gravar com um smartphone ou por mexer num editor de imagem. Os meios mudam e os problemas da profissão continuam os mesmos. Posso não saber usar os meios, mas se perguntar o que tenho de perguntar, se seguir um código deontológico e se transmitir as respostas que obtive, então estou a fazer jornalismo. Em compensação, posso ser um mago da edição de vídeo ou de som, que se não fizer as referidas seis questões seis e atropelar o código deontológico não estou a fazer nada na profissão.
O essencial de um curso superior de jornalismo não passa pelo uso de equipamentos e ferramentas. A isso chama-se curso de formação profissional. Ou curso de actualização. Com as constantes mutações tecnológicas, um estudante que entre no primeiro ano a usar uma câmara de filmar, no final do quinto já terá mais umas dezenas à disposição. Mas isso é o que se passa com os jornalistas velhos e relhos: quando numa redacção de televisão se muda de editor de imagem, o que faz sentido é que toda a gente tenha um curso de formação para uso da nova ferramenta. O mesmo num jornal quando se muda de editor de texto. O jornalismo, aquilo que interessa avaliar, continuará sempre a passar pela obtenção das respostas às mesmas seis questões, cumprindo um código deontológico.
E todos esses meios, sabem?, até houve um tempo em que havia técnicos sem qualquer formação superior ou formação em jornalismo que os operava e manipulava. Pior, para fazer jornalismo, até houve um tempo (e não foi há tanto tempo como isso, que eu sou engenheiro) em que um curso de ciências da comunicação não era preciso para nada. E os resultados estavam longe de ser piores, mesmo que o restrito Clube dos Directores que Temos diga o contrário.
Os estágios curriculares no jornalismo não trazem qualquer mais-valia científica a uma formação superior ou ao conhecimento dos estudantes. Além de cientificamente facilitistas, os estágios curriculares são parte de uma corrente perversa e injustificada entre as redacções e a universidade. Os estágios curriculares no jornalismo permitem, aliás, à Universidade manter um ano curricular inteiro com quase ausência de custos humanos e financeiros: entrega-se o estudante a uma redacção onde, na melhor das hipóteses, terá acesso a uma doxa conformista, e reduz-se ao mínimo a interacção com um orientador académico. Uma ideia de formação que precisa de ser muito repensada e que obedece, no essencial, a medíocres critérios corporativos e exclusivistas.
É a segunda vez, em pouco tempo, que vejo mal atribuída a Woody Allen a frase "Conhecia-a antes de ser virgem".
Santana Castilho usa-a como título de artigo "Conheci o PS antes de ser virgem", referindo-se ao papel do partido no sector da educação. Termina o comentário atribuindo a ideia a Woody Allen.
Ora, a frase tem origem hollywoodesca, sim, mas é mais antiga. E refere-se orginalmente a Doris Day, uma das louras de Alfred Hitchock, o cineasta com quem trabalhou em O Homem que sabia demais e a quem também já vi a frase atribuída.
O autor da frase terá sido Oscar Levant, o sarcástico e demolidor pianista de Um Americano em Paris. Em The memoirs of an amnesiac, a autobiografia que publicou em 1965, recorda a sua última participação num filme da Warner. Fora em 1948, em Romance no Alto Mar, de Michael Curtiz. "Foi o primeiro filme de Doris Day; isso foi antes de ela se tornar virgem", escreveu.
Por muito brilhantes que os dois autores sejam, e são, tenho alguma dificuldade em levar a sério as análises do Ministério da Educação feitas por Paulo Guinote e Carlos Fiolhais .
Em 2011, já para começar a criticar o ministro da Educação de Passos Coelho, o professor de História dizia ter sido:
Por sua vez, em 2012, o físico da Universidade de Coimbra ainda arranjava motivos para elogiar o ministro da Educação saído do catálogo da Gradiva. Falava de "impulso reformista", de "cortes na despesa", de "revolução traquila". Dois anos depois, em 2014, já tudo era passado:
"Também eu simpatizei com Nuno Crato e com a sua ideia de «implosão» do Ministério da Educação."
O discurso de Crato sempre trouxe dentro do seu discurso aquilo que depois foi. Que não lhe tenham topado o ovo autoritário e privatizador dentro de um discurso de exigência e rigor mostrou falta de discernimento.
O novo ministro da Educação pode ter muitos defeitos, vir a revelá-los todos e até não resolver problema nenhum. Mas Brandão Rodrigues tem para já a enorme vantagem de não alimentar uma narrativa da edcação e da avaliação enquanto castigos e da escola enquanto simuladora das dificuldades da vida. Só isso já é uma limpeza de alma não desprezável.
Mesmo maus a Português e Matemática os resultados das provas de aferição apontam caminhos de solução, ao contrário do rol de exames de Nuno Crato.
Os novos resultados são qualitativos, desagregados por tipo de erros e apontam áreas de intervenção.
E, para já, eventuais dificuldades logísticas parecem não despertar problemas.
Tiago Brandão Rodrigues tem sido um bom ministro da Educação (o que não era difícil depois do beco oitocentista em que Nuno Crato enfiou o sector). Pôs fim a ideias muito, muito velhas, freou gastos injustificados, pôs fim ao vocacional e ao ensino segregado.
Mas a ideia de substituir as notas das provas de aferição por relatórios individuais parece fazer escasso sentido. A feitura destes relatórios tem tudo para se tornar uma tarefa ciclópica e de muito difícil operacionalização
Finalmente, um ministro do Ensino Superior diz com todas as letras o que tem de ser dito e feito acerca das praxes no ensino superior, uma tradição inventada e fascizante.
Num caso que conheço bem, o do Técnico da transição dos anos 1990 para os 2000, sucessivas direcções da Associação dos Estudantes (de Miguel Lobo, João Fonseca, Luís Mota, Valentina Garcia, Sara Oliveira, José Oliveira, Pedro Moura e Ricardo Martins) dinamizaram grupos e comissões não praxistas de recepção e apoio dos novos alunos. Tudo mudou quando estas listas foram substituídas por outra repleta de gente da JSD e acarinhada pelo então presidente do Conselho Directivo, Diamantino Durão. Queriam recuperar o espírito académico, diziam.
No Conselho Pedagógico da escola esteve-se vários meses à espera que os representantes da área pedagógica dessa AEIST quisessem marcar uma reunião com o órgão de gestão - decorria então o processo do Tagus Park, da implementação das chamadas medidas pedagógicas, que aumentaram o semestre lectivo e encurtaram o período de avaliação. Em compensação, na nova revista, paga por um patrocínio bancário, o que nunca tinha acontecido, os representantes da área pedagógica da AEIST escreviam (e ilustravam), todos os meses, artigos sobre o uso da capa e batina e outros assuntos do género.
Mariano Gago não fez tudo bem à frente da Ciência. O fim dos órgãos de governo paritário nas universidades foi um erro, por exemplo.
A nova equipa do sector - com uma visão, bem preparada, com um verdadeiro currículo de gestão da ciência e do conhecimento - também evidencia contradições. Enquanto várias universidades, como a Nova de Lisboa, andam a contas com o processo de passagem a fundação, uma má ideia, o ministro Manuel Heitor promete mexidas no emprego científico.
A coisa faz há muito sentido. Para todos os efeitos, as carreira docente e de investigação estão bloqueada há pelo menos umas boas duas décadas. Mas se boa parte dos doutorados sobrevive à custa de sucessivas bolsas, o Governo parece querer oferecer-lhes agora contratos temporários e a termo incerto.
Os sindicatos receiam que a medida que visa dar alguma estabilidade a milhares de bolseiros, corra o risco de criar uma carreira paralela de investigadores e docentes universitários, mais mal pagos, e com menos direitos. Só quem desconheça o modo como o poder se articula no ensino superior - não é preciso ler o Homo academicus (pdf acerca de), de Pierre Bourdieu - perceberá as dificuldades de contestação no sector.
Além do cartaz com erro que se vê na imagem, manifestantes de colégios privados com contrato de associação têm usado pelo menos outro de sintaxe aberrante:
"Querem tirar-me a escola que gosto"
Ao menos da qualidade do ensino de português não se podem gabar muito.
Vou deixar de usar os transportes públicos. Arranjei um tipo que tem um táxi porreiro e confortável. Vou passar a viajar nele e depois mando a conta aos tipos dos colégios privados ou ao cardeal Clemente e à Conferência Episcopal Portuguesa.
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