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Finalmente, um ministro do Ensino Superior diz com todas as letras o que tem de ser dito e feito acerca das praxes no ensino superior, uma tradição inventada e fascizante.
Num caso que conheço bem, o do Técnico da transição dos anos 1990 para os 2000, sucessivas direcções da Associação dos Estudantes (de Miguel Lobo, João Fonseca, Luís Mota, Valentina Garcia, Sara Oliveira, José Oliveira, Pedro Moura e Ricardo Martins) dinamizaram grupos e comissões não praxistas de recepção e apoio dos novos alunos. Tudo mudou quando estas listas foram substituídas por outra repleta de gente da JSD e acarinhada pelo então presidente do Conselho Directivo, Diamantino Durão. Queriam recuperar o espírito académico, diziam.
No Conselho Pedagógico da escola esteve-se vários meses à espera que os representantes da área pedagógica dessa AEIST quisessem marcar uma reunião com o órgão de gestão - decorria então o processo do Tagus Park, da implementação das chamadas medidas pedagógicas, que aumentaram o semestre lectivo e encurtaram o período de avaliação. Em compensação, na nova revista, paga por um patrocínio bancário, o que nunca tinha acontecido, os representantes da área pedagógica da AEIST escreviam (e ilustravam), todos os meses, artigos sobre o uso da capa e batina e outros assuntos do género.
Mariano Gago não fez tudo bem à frente da Ciência. O fim dos órgãos de governo paritário nas universidades foi um erro, por exemplo.
A nova equipa do sector - com uma visão, bem preparada, com um verdadeiro currículo de gestão da ciência e do conhecimento - também evidencia contradições. Enquanto várias universidades, como a Nova de Lisboa, andam a contas com o processo de passagem a fundação, uma má ideia, o ministro Manuel Heitor promete mexidas no emprego científico.
A coisa faz há muito sentido. Para todos os efeitos, as carreira docente e de investigação estão bloqueada há pelo menos umas boas duas décadas. Mas se boa parte dos doutorados sobrevive à custa de sucessivas bolsas, o Governo parece querer oferecer-lhes agora contratos temporários e a termo incerto.
Os sindicatos receiam que a medida que visa dar alguma estabilidade a milhares de bolseiros, corra o risco de criar uma carreira paralela de investigadores e docentes universitários, mais mal pagos, e com menos direitos. Só quem desconheça o modo como o poder se articula no ensino superior - não é preciso ler o Homo academicus (pdf acerca de), de Pierre Bourdieu - perceberá as dificuldades de contestação no sector.
(fonte: publico.pt)
Faz hoje vinte anos que a polícia de Cavaco Silva e Dias Loureiro correu à bastonada os estudantes que se manifestavam contra o aumento de propinas no Ensino Superior.
Em editorial no Público, Vicente Jorge Silva iria pronunciar-se contra uns rabos e umas pilas mostradas noutras ocasiões de protesto - estendidos também ao secundário. Com irreprimível e transbordante clarividência inventava a Geração Rasca. Contribuía, e não pouco, para o descrédito da luta estudantil.
Pouco depois, Guterres calaria muitos protestos fixando as propinas no valor "simbólico" do salário mínimo, só que desde então não pararam de crescer e subir.
Hoje, as famílias portuguesas são na OCDE das que mais pagam para manter os filhos no Ensino Superior. E os estudantes que, nessa mesma geração, liam os Independentes e lutavam contra os "rascas" que saíam espancados da Assembleia da República, contra os "rascas" que mostravam pilas e rabos, são hoje secretários de Estado e ministros do nosso bonito contentamento colectivo.
(fonte: asbeiras.pt)
Os resultados do concurso nacional de acesso ao Ensino Superior saíram este domingo.
Hoje, o jornal i, na edição online, nas notícias de última hora, informa, através de take da Lusa, que a Universidade de Aveiro preencheu 80 por cento das vagas.
A informação foi recolhida no sítio da Universidade, diz-se no artigo cuja relevância não se percebe. Existirá algum motivo jornalístico para que se perca tempo com este tipo de informação?
Primeiro, sabe-se desde domingo a quantidade de alunos que entraram em todas as instituições públicas do ensino superior. Esta notícia estava, pois, disponível desde o fim-de-semana, bastava fazer contas. Não era preciso esperar por hoje.
Segundo, qual a relevância de dar destaque às entradas na Universidade de Aveiro num jornal nacional, ignorando as outras que se calhar não puseram esta informação em linha? É que a notícia nem sequer informa se a percentagem de preenchimento de vagas da instituição da beira Vouga foi excepcional e a merecer assim destaque. Teve mais colocações que as outras? Teve menos? Ignora-se.
(Foto: saudeoral.pt)
Num qualquer canal televisivo, anunciavam a descida do número de vagas e de candidatos ao ensino superior para o ano lectivo de 2013/2014.
A jornalista explicava que a média mais alta "continua a ser" a do curso de medicina na Universidade do Porto.
Décadas de numeri clausi, uma esmagadora percentagem de jornalistas com formação superior e ainda se encontram almas nas redacções incapazes de perceberem como se formam as médias de entrada.
(Foto: jn.pt)
Miguel Relvas corre o risco de perder a licenciatura não por causa de cadeiras sobre as quais se desconfia que pouco deve saber, mas por causa de uma cadeira cujos conteúdos demonstrou conhecer e à qual foi avaliado.
Perfeitamente de acordo com a possibilidade de que a experiência e conhecimentos adquiridos ao longo da vida sejam academicamente validados e contribuam para obtenção de grau.
Mas convém que os conhecimentos adquiridos tenham correspondência com a realidade. Não servem para tudo. Se nunca operei um cérebro, não vejo muito bem como me darão equivalência a neurocirurgia.
Num outro nível, a exigir menor especialização técnica, como o da licenciatura em Ciências Políticas e Relações Internacionais, na Universidade Lusófona, Miguel Relvas obteve equivalências a 32 das 36 disciplinas que constituíam o curso, à conta da sua experiência profissional.
Alguém que, como Miguel Relvas, andou toda a vida profissional muito próximo da gestão da coisa pública e exerceu cargos governamentais estará obviamente bem preparado para obter um número relativamente alto de equivalências num curso do género do escolhido. Miguel Relvas terá obrigatoriamente uma percepção muito acima da média sobre o que é a administração pública e a sua prática.
Mas, por mais competente e capaz que fosse, há sempre uma carga alta de conhecimentos teóricos de base, do campo da filosofia, da história e da ciência política que não terá adquirido. Por algum motivo lhe pediram que realizasse provas em cadeiras como Quadros Institucionais da Vida Económica Política e Administrativa; Introdução ao Pensamento Contemporâneo; Teoria do Estado da Democracia e da Revolução; e Geoestratégia, Geopolítica e Relações Internacionais.
O que é estranho é que num curso que necessariamente terá muitas cadeiras deste género, Miguel Relvas tenha obtido 32 equivalências à custa da experiência profissional. Que conhecimentos demonstráveis de história ou de filosofia terá podido apresentar através do currículo profissional?
Infelizmente, não é isso que o trama - ou pode tramar. O que trama Miguel Relvas não é a sempre discutível atribuição de créditos em cadeiras sobre cujos conteúdos dificilmente terá conhecimentos, mas cuja validade foi reconhecida pelos catedráticos da área.
O que o trama é uma regra interna, perfeitamente burocrática, que o impede de fazer avaliação com base apenas numa oral. O ex-ministro corre o risco de perder a licenciatura por causa de uma cadeira a que foi realmente avaliado e ninguém pode dizer que uma oral é menos exigente que um exame escrito. Num exame escrito, e ainda mais num curso da área das humanidades, o avaliado pode sempre refugiar-se naquilo que sabe melhor, evitando o que ignora e camuflando fragilidades. Em oral, corre o risco de que lhe descubram todos os vícios.
(Foto: http://noticias.sapo.pt)
Há dias, a maioria dos jornais noticiou que o aumento das propinas contribuíra para o aumento dos estudantes universitários.
A ideia é contraditória. Então, os mesmos governos que criam taxas para moderar a afluência de utentes-doentes aos hospitais e centros de saúde, usam taxas para incentivar a inscrição de utentes-estudantes no Ensino Superior?
Entre a imprensa que destacou o estudo, não se deu por ninguém que achasse estranha a análise das relações causa-efeito. Pouco importa que a Fundação Francisco Manuel dos Santos - que co-patrocinou a análise com a Universidade Católica Portuguesa - funcione mais como um centro de propaganda de certas ideias, que de debate amplo e plural.
Há quem aponte vícios ao estudo e lhe chame "fraude" mas nos jornais não se deu destaque aos detractores. Há polémicas que interessam e outras que não. E mesmo quando a decisão não é premeditada, é de esperar que se informe fora da formatação mental?
Ao solicitar o reconhecimento de uma licenciatura ao abrigo do currículo profissional e fazendo um número baixo de cadeiras, Miguel Relvas, na prática, pediu uma certificação para obter um título que lhe legitimasse o tratamento por dr.
Se o ministro dos Assuntos Parlamentares estivesse interessado em enriquecer-se cientificamente, teria frequentado aulas, feito trabalhos, ido a exames.
É isso que faço - eu e muita gente - nesta minha segunda licenciatura. A primeira, mesmo sendo em engenharia pré-Bolonha, no Técnico, a experiência profissional, trabalho publicado, dar-me-ia acesso ao segundo ciclo a que agora se chama pomposamente mestrado. Pouparia tempo, dinheiro e esforço.
Ontem, Relvas disse que norteava a sua "vida pela procura do conhecimento permanente". Pelo menos conhece muitos caminhos para se pôr a ridículo.
Neste segundo curso, infelizmente bolonhizado, mas feito por prazer intelectual, perde-se demasiado tempo com trabalhos e testes.
Quase não fica tempo para aprender a matéria. Apesar da média, tenho dúvidas quanto ao que realmente sei sobre as disciplinas.
Eficácia e pragmatismo não são conhecimento.
A aprendizagem longa da engenharia e a década de superficialidade jornalística vincam esta convicção.
... o facto de saber que um jornal inglês tem uma lista onde duas das nossas escolas de gestão são metidas entre as 40 melhores da Europa.
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