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(Foto: dinheirovivo.pt)
Maria João Rodrigues, que noutra encarnação foi ministra do Trabalho de António Guterres, acaba de sugerir a Júlia Pinheiro que Portugal devia encher a orla marítima com parques eólicos (produzindo e vendendo energia, como terá feito a Dinamarca) e estações de aquicultura para produção de peixe em condições mais próximas das naturais.
Para qualquer das coisas necessita de engenheiros e arquitectos navais. Uma percentagem altíssima, são pouco mais de duas centenas e conheço-os a quase todos, está no estrangeiro. Quanto a estaleiros navais, capazes de construir esse tipo de equipamentos, o Executivo aliena-os como se vê com os de Viana do Castelo, unidade industrial tutelada pelo Ministério da Defesa.
Já a ministra Assunção Cristas, embora tenha a pasta do Mar, só trata das pescas. Mas como se viu há dias está mais voltada para a importação de equipamentos electrónicos e máquinas marítimas.
Em Portugal, anda esta gente toda a falar de mar há não sei quantos anos só que os decisores políticos ainda nem sequer foram capazes de perceber o que é que precisam de ter. Aqui há tempos o Executivo anunciou o lançamento de um sítio na internet onde se pudesse apresentar ideias mas nem isso avança.
Entendamo-nos. Não tenho propriamente ponto de vista sobre a bondade dos estaleiros navais (com o Alfeite é diferente) serem públicos ou privados. Já tenho quanto às consequência de uma privatização sobre os trabalhadores.
No entanto, pontos de vista como este, de Vital Moreira, mostram a incapacidade de reflexão de boa parte das nossas elites políticas e até universitárias.É que no Governo, actores económicos e jornais não se tem deixado de falar no Mar como sector estratégico.
Pronto. Sabe-se que a ideia do Mar enquanto Nokia portuguesa não saiu de cabeças do PS. Sabe-se também que é significativa a distância entre realidade a prática na boca do Governo: Veja-se a criação simbólica de um Ministério do Mar, para no essencial lhe entregar as competência de uma direcção-geral das pescas. Mas haja alguma convergência.
Nos jornais, não se dá pela incongruência. Nem um comentário. Leu-se diagonalmente Deleuze, Derrida, Merleau-Ponty, e algo continua a falhar na percepção da realidade, seus símbolos, representações.
Apesar do propalado, a aposta no Mar está bem longe de ser uma realidade. Se o fosse haveria quem fizesse algo nesse sentido. O Portugal dos Descobrimentos foi possível graças à intervenção directa e ao investimento da Coroa ou, em fase inicial, de uma entidade para-estatal como a Casa de Viseu, do Infante Dom Henrique, fortemente alimentada por privilégios, monopólios e doações. Não há estratégia nacional sem que se dissemine uma ideia colectiva sobre ela.
Quem ler os textos privados do veneziano Cadamosto, provável descobridor de ilhas de Cabo Verde; o relato pessoal de Álvaro Velho, sobre a armada de Vasco da Gama; ou a carta não oficial de Pêro Vaz de Caminha sobre o achamento do Brasil, logo percebe que os autores sabiam bem o que estava em causa. Comércio e expansão da fé cristã. Não são textos saídos dos circuitos oficiais e, todavia, não faltam as frases dando conta de que sabiam bem o que Portugal estava fazendo com a expansão.
Foi o mesmo há uns anos quando Scolari mandou pôr bandeiras nacionais nas janelas. Quando até dentro do Governo se navega em rumo contrário ao dos discursos está tudo dito quanto à seriedade com que se encara o Mar como estratégia.
Defeito de formação, nunca percebi como é que a Comissão dos Oceanos que aí andou produzindo um livro para o sector deixou de fora cientistas do único curso português que ensina a construir navios e do único centro onde se faz investigação sobre o sector.
Duarte Silva, antigo administrador dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), era aliás o único membro da comissão que percebia de construção. O resto eram juristas, oficiais da armada, biólogos.
A invenção de uma Nokia portuguesa passou pois por uma comissão que até poderia discutir assuntos de mar mas incapaz de pensar nos mais óbvios meios tecnológicos de exploração e investigação oceânica: navios e plataformas off-shore.
Há dias, a Galp anunciava o interesse em prospectar petróleo na costa alentejana. Quem lhes construirá as plataformas? Assim de repente conheço cinco engenheiros portugueses a trabalhar nesta área, só que na Noruega.
Por outro lado, Assunção Cristas é ministra do Mar. Pasta recorrente quando o PSD e o CDS-PP chegam ao Governo. Mas será ministra só no nome e na parte que toca às pescas.
Por conta da Empordef, a construção e reparação navais têm estado com Pedro Aguiar Branco, que agora quer privatizar os ENVC.
Nada mal vindo dos partidos que defendem o Mar como estratégico para Portugal. Um empresário qualquer que tome conta dos desígnios nacionais.
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