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Os jornais noticiaram o aumento das vendas de 1984, de Georges Orwel, depois de uma conselheira de Donald Trump ter vindo falar em verdades alternativas. Kellyane Conway justificava opiniões divergentes acerca do número de espectadores da tomada de posse do novo presidente norte-americano.
No dia em que se assinala mais um aniversário da libertação de Auschwitz, faz algum sentido lembrar uma outra leitura que me ocorre há mais tempo. A de um livro publicado no exacto mês em que se iniciou a II Guerra Mundial, pouco menos de uma década antes da edição da distopia orwelliana.
Sobre as Falésias de Mármore é uma fábula incandescente acerca da ascensão do nazismo. Nela, Ernst Jünger, oficial do exército alemão, descreve a realidade inquietante, inescrupulosa, oportunista, frenética e boçal de um país de faz-de-conta.
Tinha este postado pendurado já há algumas semanas. Continua a fazer sentido no dia em António Guterres é confirmado no cargo de secretário-geral pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Publico com alguns acresentos. Para memória futura.
«Primeiro, Durão Barroso desmentiu ter promovido junto do Clube Bilderberg a candidatura de Kristalina Georgieva, a búlgara vice-presidente da Comissão Europeia, a secretária-geral da ONU, em detrimento de António Guterres.
Depois, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão desmentiu que Angela Merkel tivesse feito a promoção da búlgara de junto de Putin, durante uma eunião do G20.
Há dias, Paulo Rangel lembrou-se de dizer que o ruído da Comissão Europeia em torno da ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs, servia para boicotar a candidatura de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas - um nexo de causalidade curioso.
[A ligação encontrada por Rangel - Comparar e confundir carne do lombo (Guterres) com a carne que serviram aos marinheiros do Potemkime (Durão Barroso) - não lembraria ao diabo. Lembrou ao eurodeputado português. Então vocês não reparam no tipo de gente que Portugal tem?, cantou espalhando lama por toda a parte.
Depois recuou, mas] Paulo Rangel foi eleito pelo PSD que no Parlamento Europeu pertence ao grupo popular europeu, a família política de centro-direita de Durão Barroso, Angela Merkel e Kristalina Georgieva.
As manobras do PPE para tramar Guterres foram bastante ruidosas e tiveram direito a alertas como os de Francisco Seixas da Costa» [O embaixador, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus e representante de Portugal na ONU, alertou dias mais tarde para o papel desempenhado na candidatura de Kristalian Goergieva por outro eurodeputado do PSD, Mário David. O secretário de Estado de Passos Coelho recusou então receber lições de patriotismo. Mas, se calhar, devia.
Teoricamente tem razão. Ninguém é mais ou menos patriota por apoiar ou deixar de apoiar um português para um cargo internacional. Muitos, logo de entrada, nunca viram motivos para apoiar Barroso na Comissão Europeia. O devastador rasto da sua passagem de dez anos por Bruxelas dão-lhes inteira razão.
O problema é que Mário David mistura várias coisas. A eleição de Kristalina Gergieva é do domínio do internacionalismo monetário e não do da pátria. Nada tem a ver com patriotismo ou com um empenho nacional declarado como aconteceu com Guterres. A mesma falta de transparência existiu aliás com Durão Barroso, cuja eleição foi secretamente cozinhada em directórios mundiais após a cimeira das Lajes.
E David escusava de justificar o seu papel na candidatura da amiga Kristalina com o desconhecimento das intenções de António Guterres, dizendo julgá-lo candidato presidencial. É distracção a mais. Há vários anos que Guterres negara querer entrar numa futura corrida a Belém. E há muito que era conhecida a sua vontade de ocupar o lugar de secretário-geral da ONU.
Mário David e outros fizeram parte de um frente estrangeira e europeia. A Alemanha fez força, coadjuvada por democratas tão pitorescos como os que governam a Húngria e tão musculados como os que estão à frente da Polónia. Com vários candidatos de países da União Europeia na corrida ao lugar de secretário-geral da ONU, a Comissão Europeia assumia um papel de não neutralidade, apoiando uma sua vice-presidente a quem deu licença sem vencimento - apesar dos compromissos de continuidade no cargo assumidos pelos comissários europeus. E Junckers andou mesmo em visitas de promoção de Kristalina Georgeva.
Espantoso, como vincou Jorge Sampaio.]
Portugal escapou às sanções e será preciso ver se consegue evitar os cortes nos fundos estruturais cuja decisão foi diferida para Setembro.
Se a execução orçamental vai andando dentro das metas, há outras questões preocupantes em termos financeiros. A dívida e a estagnação económica são decisivas. E ainda vem aí a queda dos bancos italianos e alemães a dificultar (ou a impedir) a retoma.
O país está obrigado pela União Europeia a cumprir um determinado défice. De contrário, é castigado de acordo com os compromissos e regras acordadas. Vê-se pois forçado a gastar com a Administração Pública apenas uma percentagem muito baixa do PIB.
Para evitar as despesas o Estado evita fazer investimentos. Mas sem investimentos, o país não melhora a situação económica. E assim, não aumenta o Produto Interno Bruto, que permitiria, com a mesma despesa na administração, continuar a baixar o défice tal como previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento, Tratado Orçamental e nos compromissos europeus.
Uma pescadinha de rabo na boca e uma equação irresolúvel. Até porque a Dívida não pára de subir. Até porque se torna necessário pagar os juros que foram relativamente diferidos e se vão vencendo entretanto.
Governos sucessivos atiraram para o futuro os juros de empréstimos - boa parte dos quais contraídos por necessidades de desenvolvimento. Piores foram os contraídos junto da tróica, que serviram para pagar a especulação financeira e as apostas de risco da banca. Tal como está, a dívida portuguesa é impagável.
Ou se põe fim ao Tratado Orçamental ou se renegoceia a dívida. O ideal seria fazer as duas coisas. O que acabará por suceder, porventura a mal. Continuar a fazer de conta não resolve nada. Mas é ainda essa a perpectiva de muitos dos próximos do PS.Se bem que não de Pedro Nuno Santos ou João Galamba - o futuro socialista.
Da banda empresarial pede-se investimento, mas continuam a fazer-se as mesmas exigências de cortes no Estado e no Trabalho - sem perceberem como não bate a bota com a perdigota.
A solução de experiência económico-social que o país gozou durante os quatro anos de Passo Coelho e Paulo Portas conduziu ao atraso e a um retrocesso do desenvolvimento e não resolveu nenhum problema real do país.
O comissário europeu para a economia digital, o alemão Oettinger, "reconheceu que no debate das sanções [a Portugal e Espanha] uns e outros tentaram passar a «batata quente» e destacaram a necessidade de evitar que os partidos políticos desempenhem um papel cada vez maior na Europa."
Ou seja, um grupo de tecnocratas não eleitos quer evitar que os partidos eleitos pelos cidadãos europeus tomem decisões sobre a Europa. É isto, não é? O resto da notícia é mais do mesmo.
Passaram na noite de 17 para 18 de Julho, oitenta anos sobre o início do golpe de Franco e dos nacionalistas contra o governo republicano espanhol, eleito uns meses antes. Era o início da guerra civil.
Em 1973, num outro 11 de Setembro, Salvador Allende, presidente chileno morria, na sequência de um golpe levado a cabo pelos militares e que levaria o ditador Pinochet ao poder.
Não têm faltado golpes contra as esquerdas eleitas. Hoje os métodos não são os de genocidas, como o generalíssimo espanhol, ou o de torturadores sul-americanos, como Pinochet.
Não é preciso ser da esquerda republicana espanhola, ou da esquerda socialista chilena para a direita se querer impor por meios não-democráticos. E não é preciso estar-se na primeira metade do século XX, em décadas de autoritarismos. Não é preciso viver-se num país de um continente crioulo, quase sempre alheado das tradições demo-liberais. Basta que, como sucede agora em Portugal, um partido de tradição social-democrata europeia, seguidor da terceira via na maior parte dos últimos anos que governou, queira atenuar medidas austeritárias da extrema-direita económica.
Pior, basta que surjam como esperançosos os resultados da execução orçamental do Governo do PS, apoiado pela esquerda parlamentar. Os valores conhecidos parecem indicar o cumprimento das metas acordadas com a União Europeia, mesmo que o cenário macroeconómico se tenha degradado, também à custa das quedas importadoras de Angola e do Brasil.
Para que Portugal se endireite - com o pretexto de um não cumprimento passado, sob a sua supervisão e amen - uma Comissão Europeia não eleita, apoiada por um grupo informal de ministros da zona euro, um grupo sem existência legal que condiciona o Ecofin, exige um plano B.
O objectivo é óbvio. Se forem aplicadas sanções, Portugal - que parece estar no bom caminho, com a a suspensão de uma série de medidas queridas de Bruxelas e Berlim - ficará em maiores dificuldades para cumprir o acordado. Se o Governo optar por seguir o diktat, corre o risco de perder a sua base de apoio parlamentar. E cair. As pressões sobre a Caixa Geral dos Depósitos também fazem parte do plano golpista em curso para derrubar um governo eleito.
Com o dispositivo cultural bem montado na comunicação social, que esperanças terá o Bloco de Esquerda nos resultados de um referendo ao tratado orçamental?
Os resultados de um referendo são diferentes dos resultados de uma eleição. Atam e complicam mudanças. Uma decisão discreta no tempo perpetuada como se fosse um ponto de vista contínuo.
As mudanças de governo e políticas, que em cada eleição legislativa se podem fazer, ficam francamente dificultadas com um referendo.
Contra a loucura europeia, o referendo pode ser uma arma. Não será a melhor solução, ou o caso grego já está esquecido?
Na sequência do Brexit, sobejaram os anúncios da morte política do desagradável Boris Johnson.
Afinal, precipitaram-se.
Do ponto de vista do interesse português, mais essencial que o passa-culpas pela responsabilidade do défice será escapar às sanções. Mas há um certo discurso jornalístico que insiste em penalizar o Governo apoiado pela esquerda parlamentar por não estar a aplicar outro Orçamento em 2016.
Dizem jornais (não podem dizer que não sabem) que Portugal e Espanha "irão ser alvo de sanções por não terem adoptado «medidas eficazes» para corrigirem os défices excessivos". Dizem mais. Dizem que os dois países não terão "tomado medidas suficientes para reduzir o défice em 2014 e 2015".
E, no entanto, quando ontem António Costa prestava declarações acerca das conclusões saídas do Ecofin, uma jornalista perguntava-lhe se conseguia "garantir que os argumentos a apresentar à comissão europeia das boas intenções do governo não passarão por medidas adicionais".
Costa respondeu-lhe, mas a resposta é tão evidente que não se percebe o sentido da pergunta: Que medidas adicionais em 2016, poderão reduzir o défice até 2015, aquele que a Comissão, o informal e ambíguo Eurogrupo e o Ecofin disseram querer sancionar?
O discurso várias vezes repetido pelos responsáveis europeias fala das metas falhadas de 2015, mas um grupo grande de jornalistas insiste em sanções que dizem respeito à execução em curso para 2016.
Terão as suas fontes? Se assim é, constituirá ingerência de entidades externas na política portuguesa e nas escolhas democráticas de um governo e do seu apoio parlamentar. E essa é uma questão que nesses exactos termos parece passar ao lado de muitos jornalistas portugueses - pelo menos dos que mandam a estas coisas.
E num dia grande para o desporto português ainda houve duas medalhas de ouro no europeu de atletismo em Amesterdão (Sara Moreira na meia-maratona e Patrícia Mamona no triplo salto), duas de bronze (Jésssica Augusto também na meia-maratona e Tsanko Arnaudov no lançamento de peso) e um segundo lugar numa etapa da Volta à França (para o ciclista Rui Costa).
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