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O título Quinta-feira e outros dias, livro de memórias de Cavaco Silva, parte de uma ideia interessante - é o dia que em Belém se reserva para as reuniões com o primeiro-ministro - mas acaba a meio caminho entre o de uma novela romântica e o de um livro de auto-ajuda. A capa lembra as estilizações modernas dos livros que em tempos pertenciam à colecção Sabrina.
Deve pressupor-se, pois, que os destinatários são os mesmos? Diria que não, mas depois há a pré-publicação da coisa no Expresso que não favorece esta expectativa. Falta sumo às revelações. O que o semanário destacou, a fazer fé nas televisões, foram as reuniões sonolentas de Cavaco primeiro-ministro com o Presidente da República Mário Soares; os atrasos sem aviso de Sócrates, em quem Cavaco não acreditava; a pontualidade de Passos Coelho, que aguardava calado as perguntas do inquilino de Belém.
Algum jornalismo há-de gostar disto a que chamam detalhes, pormenores que só por mero acaso definem um carácter. Mas se editores e jornalistas não encontraram no livro mais do que estes circunstancialismos sem concretização substancial, confirma-se pela enésima vez a espessura do autor. Ou então querem fazer suspense com o sumo.
Henrique Raposo faz parte dessa mão-cheia de comentadores que não se destaca propriamente pela sofisticação ou pela originalidade do discurso, mas que os jornais cultuam e a quem gostam de dar guarida.
Quando se lembra de falar de literatura, o comentador do Expresso parece recorrer bastante aos mais que óbvios - repare-se na consensual lista de artigos que publicou sobre o tema. Ontem, regressou ao seu paralelismo entre Mariana Alcoforado e umas tais … Sombras de Grey, um best-seller actual a que a imprensa vai fazendo referências e que ignoro se se tratará de auto-ajuda, se de ficção.
Como é evidente pelo texto, Raposo nunca na vida pôs os olhos nas Cartas Portuguesas. Mas isso não o impede de, empreendedor, sugerir aos editores que atentem no sucesso das ... Sombras de Grey – que considera “porno para mamãs” – e que reeditem as Cartas Portuguesas, atribuídas à freira alentejana – a quem, inspirado por uma crónica de José Rodrigues Miguéis, chama “criadora do porno para mamãs”.
Como hoje me sinto generoso, será que alguém pode dizer ao rapaz que as cartas de Mariana Alcoforado andam aí no mercado, editadas pela Assírio & Alvim, com tradução de Eugénio de Andrade?
As edições de aniversário dos órgãos de comunicação social embarcam demasiadas vezes num tom épico que soa a ridículo e desfasado da realidade. As biografias sérias são sempre um desfiar de falhanços.
Boa parte do Expresso dos 40 anos escorrega nesse estilo vitorioso, um género ou topos literário consagrado recentemente também nos perfis online dos editores do Público, outra publicação de referência.
Paulo Portas que fez notícias contra as meias brancas de Cavaco Silva e cujo jornal competiu durante alguns anos com o de Balsemão foi convidado a escrever sobre o antigo rival. "[N]alguma fase da vida, já todos fomos, somos ou seremos leitores do Expresso", diz.
Percebe-se a quem se refere, mas não será tanto assim. Muitos dos que se julgam alguém gostam de passear-se pelas esplanadas à beira Tejo com o saco do jornal na mão. A compra do Expresso parece dar status. Só que existe um Portugal fora dessa realidade, longe desses que gostam de se considerar uma elite. Que o mais influente e importante jornal do país lhe passe ao lado explica bastante do ponto a que chegámos.
Henrique Monteiro tem no Expresso online uma coluna de opinião tentadoramente intitulada "Chamem-me o que quiserem". E, de facto, boa parte das vezes apetece fazer-lhe a vontade.
Por alturas do Natal, escreveu que a comunicação social e o jornal que dirigiu entre 2006 e 2010 deram eco a Artur Baptista da Silva por este dizer coisas contra o Governo e por causa do "enviesamento de esquerda" da imprensa. O dichote é uma óbvia batota intelectual para consumo de quem não conhece por dentro a actual consistência da maioria das redacções ou o modo como se escolhe a informação a publicar.
Além de se esquecer de falar do verdadeiro currículo e dos reais méritos de muito duvidoso opinador público que para aí anda (o Expresso também ajudou a dar corda a alguns), Henrique Monteiro ajudou a avivar as chamas em redor de Nicolau Santos, o sub-director que se confessou "embarretado".
Ontem, na edição dos 40 anos do Expresso, Monteiro, que ocupa agora o cargo de director para as novas plataformas do jornal de Balsemão, escreveu um texto a que chamou "O elogio da liberdade (ou como passar 24 anos a dizer o que penso)". Em registo laudatório, hagiográfico, constitui um hino à liberdade de expressão existente no semanário. "A liberdade não se agradece, reconhece-se. E se ela existe nestas páginas, é porque faz parte do código genético deste jornal", lê-se em destaque.
Sem pôr em causa que seja esse o pulsar geral, regular e corrente do semanário, talvez valha a pena relativizar um bocado o entusiamo de Monteiro com a liberdade de expressão dentro do jornal. Pela internet encontra-se basta referência (aqui e aqui) ao caso João Carreira Bom, despedido por ter criticado a SIC nas páginas do Expresso.
Possivelmente, Monteiro disse sempre aquilo que pensa. Mas nada daquilo que pensa constituiu propriamente afronta capaz de lhe pôr em risco o emprego, como aconteceu com o pensar de Carreira Bom.
O ex-director do Expresso é perfeitamente livre de pensar como pensa, mas talvez seja algo exagerado o orgulho que manifesta por poder falar e escrever dentro do sistema.
Cavaco disse coisas importantes e relevantes na sua mensagem de Ano Novo. Mas dentro do comentário sincero feito por partidos políticos, o mais simpático foi o do Bloco de Esquerda: Cavaco é "inconsequente" com as coisas que diz. Tem sido essa a regra (veja-se o que não fez com as inconstitucionalidades do Orçamento de Estado de 2012), mas talvez o futuro traga outra acção.
Mesmo que considere o Bloco um partido radical e minoritária, a sua acusação parece ressoar estridente na consciência de Cavaco. Em entrevista, saída hoje no Expresso, o inquilino de Belém disse várias coisas. Infelizmente bem menos interessantes do que a mensagem de Ano Novo: "Ninguém chegou a Presidente com a minha experiência", "[h]oje temos uma agricultura que é competitiva", "[a minha relação com o BPN] está explicadíssim[a] em comunicado e numa declaração minha", "[c]omo posso não ter orgulho dos meus governos?", "[f]altam-me algumas qualidades dos políticos. A intriga cansa-me."
Desde que chegou a Belém, Cavaco perdeu o fulgor e prestígio que chegou a ter em muitos meios. Pode soar a profetismo barato, mas dificilmente a história lhe será leve. E a auto-justificativa entrevista ao Expresso evidencia bem como isso o contraria.
De Cavaco, apetece dizer o que noutro contexto disse há dias a um amigo e que alguém também já afirmou a propósito do actual locatário da Presidência: Faria um excelente negócio quem o comprasse pelo que vale, para depois o vender pelo que ele julga valer.
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