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Curioso, que os alinhamentos noticiosos e as primeiras páginas dos jornais de hoje já não guardem referências directas* ao caso das viagens de governantes à vista de toda a gente e pagas pela Galp.
Ou os actores do PSD e do CDS-PP foram de férias ou o novo emprego petrolífero de Paulo Portas (e os incêndios florestais) lembrou-os de que correm o risco de sair chamuscados desta guerra. A ver se se contêm mais uns dias ou se não resistem, que a coisa tem potencial.
* A propósito do novo emprego de Portas, o jornal i fala de nova legislação do PS acerca de transparência
Pelo que representa de uma certa atitude cultural, o caso é grave e os comportamentos dos três governantes não são admissíveis.
No entanto, quando li o título "Quero quando não posso e não quero quando posso", julguei que Francisco Louçã se referia à situação.
Afinal não. Quem identifica um certo discurso de modo claro é o autor do blogue O Jumento com o título "Putas velhas armadas em virgens puritanas."
Aproveitando o articulado usado hoje - por uma jornalista sempre opiniosa e pouco dada ao exercício do contraditório - numa entrevista conduzida a meias: serão senhores "de um percurso e uma coerência peculiares".
Todos sabemos como não existe nada mais bem distribuído do que o bom-senso. Pelo menos desde Descartes, que o escreveu no Discurso do Método, obra estudada na adolescência pela maioria dos que fizeram o secundário na área de Humanísticas. Admite-se que muitos não devem ter percebido a ironia.
Antes deste jornalista falar, no mesmo canal, um outro, Nicolau Santos, mais inteligente e recomendável, que é injusto associar ao primeiro, falava da falta de bom-senso dos governantes que aceitaram viajar a expensas da Galp ao Euro 2016.
"Basta ter bom senso para se saber que há coisas que não se podem aceitar de todo."
Como o Diabo de Passos Coelho, o bom-senso dominou outras peças do noticiário.
Primeiro, falaram dos banhistas que marcam de lugares na praia de Armação de Pera, deixando os pertences no areal desde o dia anterior de modo antecipando-se a outros. "Não havendo enquadramento legal ou edital de praia que impeça casos como o dos chapéus de sol que pernoitam fica o apelo da autoridade marítima, Haja bom-senso."
Depois, as notícias saltaram para as salas de espectáculo: "Aquele momento em que chega ao cinema e há uma mensagem que avisa, por favor, desligue o seu telemóvel, por pirncipio, por lei ou por ou simples bom-senso todos sabem que é mesmo para desligar ou tirar o som."
Bom-senso que basta, dizia Nicolau Santos. Sim, mas é o mesmo bom-senso que recomendaria que dezenas e dezenas de veraneantes não reservassem lugar na praia - borrifando-se para os direitos dos outros. Exactamente, o mesmo bom-senso que nos garante que nunca fomos incomodados por gente a atender o telemóvel no cinema ou a ler e enviar SMS.
O primeiro impulso para mudar de canal veio quando o experiente jornalista de política de um canal televisivo disse que
"Nas próximas horas […] vai haver essa troca de argumentos, constitucionalistas a favor e contra, juristas a favor e contra, e as leis são sempre dúbias. Em Portugal, as leis são sempre dúbias."
Anda a humanidade há milénios e milénios com tribunais e juízes atrás para derimir conflitos e afinal descobre-se que as leis dúbias são uma realidade portuguesa. Aguentei estóico, para manter as metáforas vindas da Antiguidade. Mas depois, o jornalista acrescentou que
"Se a lei não é clara, mudem a lei. Não façam um código de conduta."
Todos ouviram falar de leis a pedido e por aí fora, mas em nada se recomendam as análises deste experiente jornalista de política: Defende a mudança casuística da lei por uma questão conjuntural e ignora toda a imensa critividade humana para encontrar buracos e omissões mesmo nos mais cerrados articulados legais.
Fui fazer o jantar.
BE e PCP tomaram posição acerca das viagens de Rocha Andrade ao Euro 2016 pagas pela Galp.
O CDS-PP considerou ensurdecedor o silêncio dos partidos de esquerda que apoiam o Governo.
A crítica dos partidos da esquerda já saiu, mas não é suficiente para o grosso dos leitores que comentam a notícia no Expresso digital.
Os do CDS-PP precipitaram-se propositadamente. Já sabiam que BE e PCP iriam reagir como reagiram, mas enquanto o pau vai e vem sempre mantêm o Governo em lume brando
Quanto aos comentadores da edição online do jornal, a questão é de outra natureza. Há neles uma grande falta de capacidade hermenêutica e de análise.
Só analfabetos políticos esperam que um partido apoie uma determinada solução governativa e ao mesmo tempo estique em público, e de modo cego, a corda das críticas a um parceiro.
A questão ética nem se lhes coloca, a aceitação por um governante de viagens pagas por uma grande empresa para ver jogos de futebol é de tal modo natural que a incompatibilidade e o lio em que se metem não lhes surge na cabeça de forma meridiana.
E, depois, sempre o primado da lei enquanto justificativo. Por estas e por outras é que se torna impossível ensinar ética e deontologia. Ou se tem ou não se tem.
A falta de consciência leva-os às várias formas de se apodrecerem civicamente, de se deixarem enredar em redes de criação de empatias. Simpatias que mais tarde podem ser ou não accionadas.
A falta de discernimento leva-os a porem-se a jeito e a minar Governos. Até por uns trocados, como no caso de Rocha Andrade. Não é o primeiro caso, não será o último.
E, neste caso, ainda por cima, o tiro assesta no omnipresente e central Ministério das Finanças. O que dificulta todas as medidas.
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