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(fonte: sol.pt)
Sobre a greve do Metro escreveu-se ontem, aqui, o evidente. Haver para aí gente a dizer que o Metro ia parar, uma mesmíssima gente cujo raciocínio não sai da linha.
Mais do que previsivelmente, a greve acabaria desconvocada. A paralisação estava marcada desde o governo de Passos e Portas, há questões que vêm de trás, a necessidade de as reafirmar; o novo governo estará sustentado em acordos que muitos jornalistas, na linha do argumentário da direita, teimam em considerar frágeis; o ponto final nas privatizações das transportadoras é já público. Era uma situação de onde só podiam sair vencedores.
O país mudou os paradigmas políticos, mas muitos analistas e comentadores mostram-se incapazes de ver além da linearidade do dito e do declarado. Cãezinhos de Pavlov, é o que é.
É fácil transformar uma notícia em opinião. Veja-se o lead de peça apresentada ontem na SIC.
"Depois das consequências para a economia dos longos períodos de greve em 2012, as atenções voltam-se de novo para a zona portuária. O sindicato dos estivadores denuncia..."
No primeiro período apresenta-se o que se considera "O Facto": Greve longa teve consequências na economia. Não há fonte para a questão do impacto económico. É puro senso-comum apresentado como axioma. Tal como é factual e absoluto o ter também resultado da greve.
Logo a seguir, diz-se que o "sindicato dos estivadores denuncia..." Aqui já se admite um ponto de vista, que mais à frente será contraditado, como mandam as regras, pelo ponto de vista dos seus empregadores. O que ocorre nos portos é atribuído. Já não é senso-comum. Há uns que dizem umas coisas, outros que dizem outra. O que sucede nos portos, é um puro caso de luta de interesses e direitos. Um combate de relativos.
O que é dado em termos absolutos, factuais, exactos é a ideia de que a greve, feita pelos estivadores, tem impacto na economia. Claro que terá, mas o efeito desse impacto é tão construído como os pontos de vista de estivadores e empregadores. Mas o jornalista dá-o como adquirido, como legítimo. Não o dá como tendo origem num gabinete de assessores ministeriais com interesse em denegrir a imagem dos estivadores em greve. É o jornalismo a tomar partido em vez de informar.
Quando se fala cada vez mais da necessidade de crescimento económico, uma greve com impacto na economia afasta a compreensão dos espectadores mais dispostos a culpar os rotos pela sua miséria. E são tantos.
O que não falta por aí são peças com a conclusão pronto-a-vestir logo à cabeça, notícias prontas a disparar sobre os grevistas, opinião com gato escondido. Eu fiz engenharia. Não estudei os sentidos que encerram as frases, a insustentável leveza de um testemunho, de um ponto de vista. Não me ensinaram os abismos onde caem os factos em estado puro. Mas a maior parte dos jornalistas fez ciências da comunicação, cursos onde se estudam estas coisas. É impossível não saberem o que estão a fazer.
O pessoal que no comentário jornalístico e na blogosfera protestou contra os professores de greve em dia de exame encontrou durante a semana aliados preciosos.
Num dia, um grupo de deputados da JSD, colectivo onde o bom-senso marca escassa presença, exigiu saber quanto custam os sindicatos ao Estado. Ou seja, embora não percebam o alcance da ideia, desagradam-lhes os custos da democracia.
No dia seguinte, foi o sempre poupado Alberto João Jardim que reclamou a mudança da lei da greve.
Benditas companhias.
Primeiro um texto no blogue Jugular
E depois um texto no Diário de Notícias
No modo elíptico que lhe é habitual, a Igreja Católica apelou aos professores para não fazerem greve aos exames e terem "todos os factores" em conta.
Até por isso vale a penar reparar hoje na página online da Rádio Renascença. Não é exclusivo, mas na zona nobre (ver foto) o tom é de crítica aos grevistas. São os alunos injustiçados, a estudante que questiona Mário Nogueira, o comentador que explica por que não faria greve.
Não teria de ser diferente. Em tempos de posições extremadas, repórteres diferentes têm forçosamente posições diferentes.
Mas neste caso da emissora católica há um dado a ter em conta. A Igreja Católica é dona de um imenso rol de colégios. Manuel Clemente, o novo patricarca de Lisboa, não o diz, mas a instituição a que pertence lucra objectivamente com o fim da escola pública, com o alargamento dos contratos de associação com colégios privados.
(Fonte: aecentroncamento.pt)
Os exames escolares enquanto prova e equivalente inatacável da exigência de aprendizagem instalaram-se aparentemente inamovíveis no discurso público. Um natural e alegado senso comum trabalha irresponsável nas mentes de um País que a quatro anos do 25 de Abril ainda tinha trinta por cento de analfabetos. Ou seja, uma grande percentagem das avós dos que hoje nos governam saberiam, quando muito, escrever o nome e ler ‘tá quieto. É este povo que vê num exame, e no cumprimento rigoroso de uma data, um nariz de santo intocável e todo poderoso cuja violação acarretará vício, morte e destruição.
Mas faz-se por isso. No dia em que regressaram os exames à antiga quarta classe, Maio deste ano, um director do principal diário de referência nacional recordou o dia em que ele próprio fora examinado numa cidadezinha de província rescendendo a Estado Novo e a estudantes alsacianos.
O resultado foi uma prosa saudosista, de ideias tão luminosas como as de um velho manual da 3ª classe. Nem sequer deixou de fora os memoráveis castigos aos que “eram burros”, castigos a que - pela amostra - não pode ter escapado o meu camarada jornalista. Naquela cabeça com galões e emprego não entrou o que significava para a maioria dos colegas a 4ª classe daquele tempo.
Trágico que enquanto faz memorialismo banal, Manuel Carvalho caucione e legitime as ideias do ministro da Educação - um pensamento que pouco evoluiu desde os dias em que defendia o mais violento maoísmo no Pedro Nunes, o privilegiado liceu da Estrela, da Lapa, São Bento, Campo de Ourique. Já então Nuno Crato fazia pela destruição da escola. É pedir a professores da época que contem os ditos e feitos do agora governante.
Aos exames em todos os níveis de ensino – chancela de exigência cratista - contrapõem-se turmas de 30 alunos; horários dos professores alargados para as 40 horas em escola, que é para não haver tempo nem condições para preparar as aulas e um bom incentivo a que muitos docentes passem a ditar os manuais escolares aos estudantes; instabilidade de vínculo, espevitando a pouca vontade de investir na qualidade do que fazem.
À perda de qualidade real do ensino, parecem os jornais pouco atentos. Mas não são os únicos. Com a greve como horizonte, levanta-se o habitual coro de protestos contra as datas escolhidas pelos sindicatos dos professores, em cima da época de exames. Em Portugal, há sempre um ror de gente a favor da greve desde que não se prejudique os outros. No fundo, “Come, cala-te e não chateies”. Só não a proíbem, porque a Constituição ainda não deixa, mas já se ouviram vozes nesse sentido. É o pessoal danado porque não tem transportes, é o pessoal zangado com os professores que vão adiar o momento em que os seus filhos serão avaliados.
Os mesmos que aplaudem a ansiedade e a imposição de um educativamente inútil obstáculo exame aos estudantes de todos os níveis de ensino rugem furiosos com a instabilidade provocada por um adiamento da prova. Como se a prova não pudesse ser feita depois, como se a contestação não pudesse forçar ao recuo da sua aplicação ou ponderação. Em regime de igualdade para todos.
Entre os pais, muitos nem sequer percebem que há coisas bem mais graves para o futuro dos filhos do que fazer o exame noutra chamada (até ganham tempo, sem aulas, para estudarem e se prepararem melhor). Exigem respeito pelos filhos, pelos direitos dos pimpolhos, mas esquecem-se que o que realmente lhes vai tramar a prole é o aumento do número de estudantes em cada turma; a transformação de milhares de professores em andarilhos, desenraizados perpétuos à beira do desemprego; o impedir os professores de prepararem aulas impondo-lhes uma carga horária populista e demagógica. A turba aplaude. É a destruição do sistema público de ensino que o ministro vai levando a cabo, mas que interessa isso se há exames?
Outra jornalista, e directora, por quem até tenho estima pessoal, afirmava há dias na televisão, convencida de que achara o mais colombiano dos ovos de Colombo argumentativos, que “se as datas dos exames podem ser mudadas, como afirmam os sindicatos, então também se podem mudar as datas da greve”. Claro. Agosto é que seria uma boa altura que não maçava ninguém e Governo, pais, estudantes e professores aproveitariam os areais para discutir o que está em jogo.
Ao lado do Governo, Cavaco avisa os professores que os estudantes ”não podem ser um meio para atingir um fim” e recorda que “a greve é um direito”, modo como começa sempre a conversa dos que se manifestam contra o seu exercício. Mas Cavaco é capaz da compaixão. Até manifesta a sua “dificuldade em compreender bem como é que se podem atingir jovens, crianças, jovens que estão a preparar o seu futuro”. Não mostra é qualquer empatia com os professores que tentam defender um presente bastante negro e muitos deles também pais, educadores e sustentáculo de jovens e de crianças, mas de jovens e de crianças que pelos vistos não preocupam tanto o inquilino de Belém.
Repetido e em certa medida compreensível, este tipo de opinião acabará trucidado pelo espírito do tempo.
A História (arte que os economistas deixaram de aprender) é demasiado rica em exemplos. Não vale segui-los como se fossem um modelo determinista, mas não há nada que enganar neste ar que se respira.
Garantir a paz e a ordem social foi apanágio dos reis durante todo o Antigo Regime. O bom rei, o rei bom, fazia justiça. Geria e harmonizava interesses. Nenhuma outra virtude e capacidade foi mais inerente à condição real.
Mas esse estado de coisas terminou com a revolução francesa. Os historiadores datam dessa época o surgimento de um novo tipo de multidão: a multidão politizada, uma multidão que deixou de pedir apenas pão, que deixou de estar só preocupada com os custos dos cereais.
Os mais atentos repararão que a multidão que aí anda agora é nitidamente uma multidão politizada. E não é apenas nas manifestações, onde esse grau de politização seria expectavelmente mais audível. Ouvidas na rua, as pessoas têm explicações consistentes para as dificuldades. Têm propostas alternativas. Deixaram o "eles lá sabem o que andam a fazer".
Exemplos? Nas últimas greves do Metro de Lisboa e da CP, equilibraram-se os pontos de vista expressados nos directos televisivos. Se antes não faltavam as queixas contra o transtorno, agora são bem mais os que se mostram compreensivos e até solidários com os trabalhadores em greve.
Se ontem, Borges achava ser uma sorte que os portugueses tivessem Gaspar como ministro, bastaria ler os comentários online para perceber que mais valia ter estado calado. Quase ninguém está já disposto a reconhecer o génio de um ou de outro. Pior, pelo tom nota-se como olham para Borges como um pária, uma espécie de bobo da corte etica e intelectualmente desqualificado.
A única pergunta racional começa a ser: Quando?
Agora já existe quem dentro da corporação admita a existência de agentes provocando arruaças.
A confirmação foi feita por um polícia de choque em declarações ao jornal i:
Deixou, pois, de ser apenas "aparente [a] existência de polícias agindo simultaneamente como manifestantes e como agentes".
Viva a greve geral.
Os repórteres da SIC, foram à estação do Cais do Sodré fazer a cobertura da greve dos transportes.
Concluíram a peça, com o depoimento de uma rapariga dizendo que não era "contra o direito à greve" mas "que este problema [não disse qual] só se resolvia com a privatização total dos transportes públicos".
Ainda não consegui perceber por que é que quem é contra a greve começa sempre as intervenções negando a evidência.
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