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(Foto: britannica.com)
Em Itália, Mario Monti, o ai Jesus da gente responsável e credível, conseguiu ficar em quarto lugar nas eleições legislativas.
Os jornais falam de instabilidade, não se percebe muito bem porquê. Nos mais de 150 anos com que conta desde a Unificação conseguida por Vitor Emanuel II, nunca a Itália teve outra realidade que não a da pulverização eleitoral.
De qualquer forma, a coligação mais votada sai reforçada por um prémio de majoração, estabelecido pelos legisladores, que desvirtua a proporcionalidade e lhe atribui uns deputados extra para atingir a maioria.
Não se espere substanciais mudanças das políticas até agora seguidas. Mas se pelo mau exemplo que dá (ao derrotar também Mário Monti, o governante imposto pela alta finança) servir de modelo a outros países e assustar quem manda na União Europeia talvez seja do melhor que aconteceu nos últimos tempos ao continente.
(Foto: fotograma de Saló ou Os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini)
O primeiro-ministro demissionário italiano, Mario Monti, não concorre às eleições mas diz-se pronto a liderar um governo caso haja "apoio dos partidos" à sua agenda.
Trocando por miúdos, os eleitores votam nos programas que os partidos lhes propõem, para depois os partidos escolherem um chefe de Governo que fará o que muito bem lhe apetecer.
Monti não diz a ninguém que é um democrata ou sequer que acredita na democracia. O que propõe é um golpe de Estado. Um simulacro descarado de democracia. É esta agenda de decisões que a democrática Europa vai promovendo. E o saneamento das contas públicas é apenas um pretexto como outro qualquer para destruir o sistema democrático.
Há sempre um rol com as melhores, mais justas e mais razoáveis razões do mundo para justificar o injustificável. E os que defendem a democracia, vão tendo de viver com o que lhes propõem os partidos dos factos consumados.
Há dias, num comentário de um blogue alguém dizia que um economista era uma pessoa que queria tirar um curso superior e queria fugir à matemática.
A facilidade com que propõem modelos numéricos para prever comportamentos humanos e sociais é tão inquietante como a fé com que olham para os resultados.
Pior é que persista ainda na opinião pública a ideia distorcida de que a economia é infalível. De que segue regras naturais bem determinadas a que não se consegue escapar e que em nada dependem das opções de actores políticos e dos comportamentos absolutamente aleatórios das sociedades.
Deve resultar desta confusão conceptual a condenação a seis anos de prisão de um conjunto de cientistas italianos por terem subestimado riscos de sismo na região de L'Aquila, em 2009. Precedido por abalos de menor intensidade, o terramoto de 6 de Abril desse ano acabou mesmo por causar 309 vítimas mortais.
Como perceberá qualquer pessoa que perceba um bocadinho de matemática e de física, a descrição dos fenómenos sismológicos assenta essencialmente em modelos estocásticos e não determinísticos. Qualquer previsão nesta área é feita com margens de erro. É sempre o tipo de evento que pode ou não acontecer.
A incerteza acerca da ocorrência de um grande e mortífero terramoto era a única resposta cientificamente possível que os sismólogos poderiam dar. E terá sido a que deram. Só que após uma reunião com eles, um elemento da protecção civil emitiu um comunicado afastando o perigo. Mais de três anos depois, um tribunal italiano condenou os cientistas por negligenciarem o perigo.
Vivemos num mundo em que está generalizada a ideia de que a economia é uma ciência exacta, e não uma métrica social. Só mesmo nele é que se pode ver um exercício de futurologia num trabalho onde se avalia a possibilidade de ocorrência de um tremor de terra.
Uma das coisas que o fim do Antigo Regime trouxe foi a igualdade perante a lei.
Em teoria, desapareceram privilégios de classe, de casta. Os poderosos, os mais ricos, nobreza e clero, passaram a ser julgados pelos mesmos tribunais, pelas mesmas leis, a sofrer as mesmas penas.
De ontem para hoje, Espanha e Itália, grandes países em dificuldade, já conseguiram o desbloqueio do pacto de crescimento e um envolvimento maior das estruturas da união europeia no seu financiamento.
Ao contrário da Grécia, Irlanda e Portugal têm uma capacidade para evitar a destruição económica e empobrecimento que os mais pequenos não têm tido. Embora estes se mantenham excessivamente altos, Mário Monti e Rajoy garantiram para os países que governam juros fora dos níveis de usura a que outros estão sujeitos.
Haver tratamento diferenciado dos vários países que integram a União Europeia em função da sua capacidade de forçar a barra, de subir a parada, é justificado por muitos com a real politik.
Estão errados. A questão é moral e de cidadania europeia. Ser forte com os fracos e débil com os fortes tem um nome: Cobardia. Trate-se de pessoas, trate-se de países.
E políticas que mantenham o status quo são cobardes, imorais e anti-democráticas. Quem defenda o contrário tem a cabeça formatada pelo longínquo século XVIII.
A ministra italiana que chora ao falar do aumento da idade da reforma lembra-me aquele piedoso bispo espanhol que benzia o garrote que Franco mandava aplicar.
O primeiro-ministro italiano, Mario Monti, renunciou ao salário como governante com a justificação de que a asuteridade tem de ser para todos.
A atitude podia ser só demagógica, mas tem contornos mais preocupantes.
Primeiro dá o sinal de que é legítimo trabalhar sem se receber. Depois esconde que, ao contrário da maioria, terá outros meios que lhe permitem não morrer à fome, se ficar sem receber durante os meses que durar o seu mandato, como sucessor de Berlusconi, imposto pelos mercados e aprovado por Angela Merkel e por Sarkozy.
A dívida italiana a dez anos foi leiloada acima dos 7%, valor sagrado depois do qual Teixeira dos Santos admitiu que Portugal teria de recorrer ao FMI.
Nem o primeiro-ministro Monti, imposto pelos mercado, lhes vale embora todos saibamos como a economia da Itália é uma coisa sem robustez. E nem uma ideia diferente tine na cabecinha dos governantes europeus.
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