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Há um par de semanas, no jornal de um dos partidos de esquerda que viabiliza o governo de António Costa, punham-se em destaque duas frases de uma entrevista dada ao jornal i pela jornalista Maria Flor Pedroso, presidente da comissão organizadora do IV Congresso dos Jornalistas.

 

"Alguns jornalistas têm medo de participar neste congresso"

e

 

"Muitos de nós não nos revemos em grande parte daquilo que vemos, ouvimos e lemos".

 

A escolha do jornal contribui para uma determinada narrativa acerca da crise do jornalismo português. Mas, mesmo que residualmente acertada, é uma narrativa daninha para a inteligência da questão.

 

É um erro persistir na ideia do medo dos profissionais. Tal como é um erro acreditar que nas publicações se exibem, dizem e escrevem coisas diferentes daquelas em que jornalistas se revêem. O que não é verdade. Nem na forma, nem na substância.

 

Ora, o que a narrativa desse jornal partidário insinua como solução é uma operação de simples simetria: acabar com um eventual medo (o que é sempre bom) e exibir, dizer e escrever coisas em que outros se revejam. Na melhor das hipóteses, ter-se-ia direito a um discurso mais plural. Mas informar não é dar algo em que os espectadores se reconheçam, nem continuar a sobrecarregar, de modo tóxico, o espaço público de discussão com conteúdos alternativos a metro.

 

O problema do jornalismo é de ordem cultural. Um problema não apenas do direito à produção do discurso, mas também do reconhecimento do discurso - da não-exclusão do  discurso, para falar em termos foucaultianos.

 

Nada disso se resolve sem mudar de alto a baixo a cultura das redacções, cortando cerces os paradigmas e os mecanismos de reprodução existentes.

 

 

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publicado às 12:32

É um exemplo possível, mas, entre os civis, as opiniões acerca do IV Congresso dos Jornalistas são menos positivas do que as dos alistados na causa.

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publicado às 15:39

Conversas fiadas

por Tempos Modernos, em 16.01.17

Os donos dos jornais foram ao IV Congresso dos Jornalistas dizer que só a viabilidade económica das publicações garante a sua independência.

 

Para já, há sérias dúvidas quanto à viabilidade financeira dos jornais num mercado com a dimensão do português. Se o pressuposto é esse estamos condenados.

 

Depois, essa afirmação é virar o mundo de cabeça para baixo.E é uma desculpa esfarrapada para o beco em que tantos donos de negócios informativos, acolitados pelas suas escolhas directivas, enfiaram a informação que se produz.

 

A independência joga-se na vocação informativa dos donos dos jornais. Quando se fundam e compram jornais para serem instrumentos de objectivos que nada devem à informação, não há viabilidade económica que lhes mantenha a independência. Isso é o que acontece e nada tem a ver com o mercado, por muito que essa narrativa lhes dê jeito.

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publicado às 17:39

Podia dizer-se qualquer coisa sobre o chorrilho de falácias e lugares comuns acerca do jornalismo que Paulo Baldaia, um dos eternos directores da praça, verte em artigo de hoje no Diário de Notícias.

 

Mas seria gastar demasiada cera, depois do privilégio que o IV Congresso dos Jornalistas lhe deu de dizer coisinhas num painel segregado de directores, em vez de ir para a bicha e ter de se inscrever para falar como aconteceu com os outros jornalistas.

 

Ele que continue, em conjunto com os amiguinhos das direcções, a enterrar as vendas e a reputação do jornalismo e dos jornalistas. Ele que continue a dizer que boas sugestões são sempre aceites ou que existem demasiados direitos para os antigos (quais, quantos, adonde, como?) e poucos para os novos.

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publicado às 10:31

A culpa é vossa

por Tempos Modernos, em 15.01.17

Podem ler-se pela blogosfera várias críticas de civis que aproveitam o IV Congresso dos Jornalistas para bater na corporação e manifestar a sua convicção de que esta não faz falta absolutamente nenhuma. Diz-se, por exemplo, que existe uma coisa que se chama informação e que essa nada tem a ver com jornalismo, actividade fechada que até prejudica a informação.

 

O jornalismo deixou para muitos de ser visto como um lugar onde procura apresentar e verificar factos, de modo pluralista, com recurso ao contraditório e onde se dá ao leitor a hipótese de escolher a sua verdade e fundar uma convicção cívica. Muitos podiam ver nele antes uma oportunidade de distracção, mas a importância desta dimensão democrática coexistiu sempre com ela. Hoje já não.

E há culpados. Têm nomes. E não foram os que foram sendo postos à margem da profissão e que acabam também queimados na sua reputação pela acção de outros. Os culpados estão aí identificados, mais para baixo, em sucessivos postados, de distanciamento e crítica, de combate pelo jornalismo, publicados desde 23 de Fevereiro de 2011. Não chegámos aqui apenas por causa das mutações do mercado, dos suportes e das redes sociais. Chegámos também aqui por causa de um conjunto limitado de pessoas que foram ocupando lugares decisivos de chefias da comunicação social e que tornaram as direcções editoriais clubes fechados. Entre um ou outro que possa escapar, a paisagem mais que de monocultura é monolítica.

 

Esta gente tem estragado o presente da profissão, mas com isso vive-se. O pior é que também lhe estragaram o futuro. Vai ser preciso recuperar do mal que lhe fazem, e nos fazem, diariamente, directores, chefias e muitos dos profissionais. Tornar o jornalismo um lugar com que os cidadãos possam contar, onde os leitores procurem não diversão, mas factos verificados e sujeitos a contraditórios. Onde alguém, obrigado pelo código deontológico procure alcançar uma possível verdade material e discursiva, oluralista, sem alienar nenhum facto, quer sejam a favor, quer sejam contra as suas próprias convicções pessoais.

 

Aí os leitores e os espectadores terão a certeza de que, ao contrário do que sucede nas redes sociais e nos blogues, a informação está caucionada por esse métodozinho ridículo de ir procurar o contraditório e perguntar O Quê, Quem, Quando, Onde, Como e Porquê.

 

A questão é: ainda será possível reverter os estragos provocados no jornalismo pela actual mediocracia directiva e pela orientação dos outrora chamados órgãos de informação?

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publicado às 11:11

Para um balanço de um Congresso dos Jornalistas

por Tempos Modernos, em 14.01.17

Parece que a mais importante conclusão que se vai podendo tirar do IV Congresso dos Jornalistas é que não se realizava há quase 20 anos. Essa expressão não faltou em nenhum dos mails que recebi da organização. Infelizmente, a frase é usada como uma acusação, em vez de servir uma explicação necessária.

 

Desisti de ir ao congresso e de nele intervir nos minutos imediatamente a seguir a abrirem as inscrições. Desisti de lá ir depois de o ver já tão pronto-a-vestir, com comissões e regulamentos fechados e sem ter visto a sua prévia discussão aberta à classe, de modo sério, continuado e abrangente.

 

Recebi o e-mail e inscrevi-me mal me foi possível, menos de dez minutos após a abertura de inscrições. Dos resultados da prévia e necessária discussão descentralizada não tive ecos, ninguém se deu ao trabalho de os fazer circular pela classe. Antes, houve umas tantas reuniões, mas a reunião de Lisboa, a que queria ir, foi anunciada com uma semana e picos de antecedência e em altura em que me encontrava fora – mas isso é problema meu.

 

Sem ecos públicos, e realmente disseminados, de discussões, de temas, de questões em causa, de nomes, deparei imediatamente com uma comissão organizadora completamente constituída e com um regulamento – tudo pronto e aprovado num processo cuja transparência em nenhum momento foi clara. Se fizeram tudo isso entre a reunião de jornalistas a que não pude ir (reuniões cujo funcionamento caótico conheço) e no escasso tempo que se seguiu até ao anúncio das duas coisas, parece-me que fizeram um trabalho altamente eficaz e bem dirigido.

 

Quanto à comissão, não faço ideia de onde terá caído, quais terão sido os critérios para convidar aqueles jornalistas e não outros, quem os terá discutido, quem lhes terá achado condições para a função. Está lá gente que estimo, mas a quem nunca ouvi uma ideia de jornalismo que os distinga da paisagem instalada; está lá gente com intervenções conhecidas a favor do jornalismo e dos jornalistas; está por lá, também, gente absolutamente responsável pelo estado a que o jornalismo chegou. E há faltas. Faltas que um bocadinho de sentido institucional, de respeito e de reconhecimento teria colmatado.

 

Do regulamento, que chegou aos índios tão pronto e finalizado como a comissão, gostaria de perceber o sentido da ideia de pré-submeter com mais de um mês de antecedência as comunicações ao Congresso e qual terá sido a intenção. Também não se percebem quais os critérios de publicação das comunicações e da sua votação.

 

Depois, algumas notas que gostava de ver respondidas pela organização e pelos meus camaradas envolvidos.

 

Andam por lá vários estudantes. A que título, com que pagamento? São voluntários? É uma espécie de pré-estágio para irem convivendo com estágios com trabalho, mas sem retribuição digna ou mesmo sem retribuição? Quem paga o Congresso? E o que pensam de reservar aos habilitados com cursos de comunicação social e afins o acesso a uma função decisiva para a democracia - como se ser jornalista dependesse de uma formação específica como as que se obtêm quando se estuda para médico, advogado ou engenheiro e não da capacidade de cumprir os dez pontos do seu código deontológico e de responder a seis perguntinhas simples e infantis: O Quê, Quem, Quando, Onde, Porquê, Como?

 

Querem que ser jornalista seja pertencer a um gueto, fora da sociedade, um grupo reprodutor dos tiques e escassas ideias da maioria dos professores e formadores da profissão? Limitar ainda mais o pluralismo de origem e de ideias, de uma profissão cujo acesso está absolutamente condicionado por critérios que entregam a decisão de quem entra e de quem fica aos donos do negócio e a quem o domina?

 

E que sentido faz misturar e sentar num mesmo painel, projectos digitais independentes, pertencentes a jornalistas, coisas interessantes e necessárias, mas de nicho, e que terão compreensíveis dificuldades de financiamento (saúde, Samuel; saúde Sofia), e projectos milionários, de orientação vulgar e habitual, apoiados por fortes e hegemónicos interesses económicos e comunicacionais, e cujas chefias e responsáveis têm há mais de uma década ampla presença nas televisões? Que comparação se pretende fazer? Que conclusões se espera tirar? Que paralelos de viabilidade se espera encontrar?

 

Por fim, a que título num congresso de tempo necessariamente limitado se convidam directores para um dos painéis? E a que título se convidam, para outro painel, os donos do negócio? E as agências de comunicação estarão noutro painel a fazer o quê?

 

Já não basta a todos conhecer o que os directores pensam da profissão, do jornalismo e dos seus critérios, através das decisões editoriais que diariamente evidenciam? Já não basta serem confundíveis com as administrações que têm feito do jornalismo e do seu produto o lugar que é? Já não basta ter de se ouvir, nas televisões, as opiniões desse clubístico círculo fechado?

 

Espantosa também a decisão de convidar as agências de comunicação para outro painel. O trabalho dos jornalistas é descondicionar os leitores. Levá-los a pensar e a criar convicções próprias. O trabalho das agências de comunicação é exactamente condicioná-los. Mas talvez o convite seja compreensível. Os jornalistas precisam de discutir assuntos como as suas próprias condições de trabalho, o tempo que têm para pensar e escrever as suas peças, discutir opções editoriais. Com as agências de comunicação tudo fica mais facilitado. Basta copiar e colar.

 

E que sentido faz convidar os donos dos jornais para fechar o Congresso e responder à quase leninística questão “E agora?” O presente dos jornais, a falta de leitores e de credibilidade não se deve a eles? Às suas más decisões e escolhas materiais e pessoais? Ao modo como há décadas aumentam a precariedade, desfazem redacções e dificultam as condições do trabalho?

 

A que título de abrangência e de pluralismo se convidaram agências de comunicação, directores e donos de jornais? Coragem e saber era deixá-los à porta do São Jorge, onde os trabalhos decorrem. Para as suas opiniões os palcos não faltam. Coragem e saber era dar esse espaço e esse tempo a quem quisesse discutir as questões dos jornalistas, as condições de trabalho dos jornalistas e de produção das notícias. Afinal, o encontro, que não se realizava há quase duas dezenas de anos, como a organização vincou em todas as comunicações que me fez chegar, chama-se Congresso dos Jornalistas e não Congresso do Jornalismo.

 

 

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publicado às 12:23


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