Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Assunção Cristas queixava-se há dias das descidas do IVA da restauração, dinheiro que teria melhor efeito se aplicado em políticas de natalidade. A presidente do CDS-PP não vê virtudes em poder contratar mais empregados, baixar preços e por essa via atrair clientes, ter fundos para fazer investimentos, para mais compras no sector agro-alimentar, ou mesmo do ficar com mais dinheiro no fim do mês. É, aliás, o mesmo ponto de vista ideológico de Teodora Cardoso, um olhar pitosga, diria Jerónimo de Sousa.
Em nada disso que potencia a melhoria de vida de centenas de milhares de trabalhadores do sector e de estabelecimentos (muitos deles a funcionar como em tempos funcionou a agricultura de subsistência) vê Assunção Cristas alguma virtude. A presidente do CDS-PP está convencida de que as pessoas não têm filhos apenas por falta de tempo para tomar conta deles. O problema da falta de dinheiro no fim do mês não lhe surge como um obstáculo. É que ter dinheiro no bolso até os problemas da falta de tempo resolve. E, ainda por cima, permite fazer escolhas.
É, obviamente, uma questão ideológica que ao reforçar económico de um sector de actividade composto por milhares e milhares de micro, muito pequenas e pequenas empresas, a ex-ministra da Agricultura prefira a caridosa satisfação de clientelas através do despejo de verbas em creches pertencentes a IPSS e à Igreja Católica. Afinal, no CDS-PP já mostraram várias vezes gostar bastante dos contratos de associação, que lhes servem para quase tudo.
Na vila de província, vende frangos assados, refeições para fora e tem doze empregados. Queixa-se do governo à esquerda e da prometida subida do salário mínimo para 600 euros, até ao final da legislatura.
Terá de despedir dois empregados, garante. Ou seja, em quatro anos, com uma casa que precisa de doze empregados, não sabe como ir tirando aos lucros cerca* de 1200 euros por mês. Não fez contas.
Garantidos estão apenas os despedimentos dos dois empregados caso o salário mínimo suba. Quer vingar-se dos partidos da esquerda.
Também há a mexida no IVA. Mas nem lhe passa pela cabeça baixar os preços ao consumidor quando este imposto descer dos 23 para os 13 por cento. Não fez contas e também não sabe com quanto ficará a mais no fim de cada mês.
Nem sequer pensou (por muito que os lucros do estabelecimento sejam à pele, e não são) que a verba que meterá ao bolso através do IVA que não recebe irá equilibrar e compensar a subida do salário mínimo.
Há coisas que fazem parte dos direitos naturais das gentes.
*Sim, os 1200 euros não são o valor exacto, trata-se de uma estimativa grosseira. Passa-se dos 500 para os 600 euros, e multiplicam-se os 100 euros a mais pelo número de empregados.
Sem estender muito o perímetro, conto aqui, em redor de casa, seis cafés familiares. Desses geridos por um casal, vivendo de cafés rápidos ao balcão, um ou outro bolo ou salgado, uma dúzia de refeições ligeiras diárias. Quatro contam com um terceiro familiar como empregado, filhos, todos eles. O quinto mantém uma funcionária, apenas à hora das refeições, sem qualquer parentesco com os donos.
Rodo-os a todos nos meus cafés diários, distribuindo mais ou menos equitativamente os 60 cêntimos do consumo. Quando lá entro fora das horas de ponta, sou, muitas vezes, o único cliente. No café com empregada, tirando os donos, não me recordo de ter visto alguém a almoçar.
Nenhum deles fará grande dinheiro ao fim do mês. Vão andando, uma vida atrás do balcão, abrindo das 8h às 20h, alguns até durante mais horas. São o tipo de negócio que o primeiro governo de Passos Coelho e Paulo Portas quis dar à morte. Sem competitividade, sem capacidade de afirmação no mercado, tão diferentes da pastelaria vizinha, empreendedora, sempre cheia, umas duas dezenas de empregados, bolos e pão feitos na casa, em contínuo, uma centena de almoços diários, sucursais noutros pontos da cidade, carrinhas de distribuição própria – um negócio certificado.
A subida do IVA dos 13 para os 23 por cento terá fechado muitos cafés e restaurantes. Estes aqui, em redor de casa, aguentaram-se. Duvido muito que corrijam os preços quando o imposto voltar aos 13 por cento. E, é verdade, nem sempre me dão a factura. Também não a quero para nada e acaba quase sempre por ficar em cima do balcão ou perdida entre a minha muita papelada doméstica.
Nestes anos de tróica, Passos e Portas, sem estes muito milhares e milhares de negócios familiares, parados no tempo, não competitivos, longe de modelares, sem qualquer valor acrescentado, de que teriam vivido estas famílias de gente com a quarta classe? Onde teriam ido parar as famílias do casal proprietário e da filha empregada dos seis cafés aqui em redor de casa?
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.