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Apenas de me recordo de um ano lectivo em que na primeira aula de Educação Física o professor se lembrou de fazer provas de salto em comprimento, lançamento de peso e corrridas de velocidade e de meio-fundo. Registou os resultados, os meus seriam confrangedores, mas não faço a mínima ideia do que lhes terá acontecido.
Tenho a certeza de que estes resultados não foram aproveitados para encontrar talentos, fazer uma selecção da escola, participar em campeonatos escolares regionais e em campeonatos escolares nacionais. Duvido que, entretanto, tenha ocorrido a alguém dinamizar este tipo de provas de modo contínuo e ao estilo do que se vê nos filmes americanos.
Não percebo nada do assunto, mas acredito que fosse uma maneira de descobrir vocações, aumentar o número de atletas e estimular melhores resultados. Com o actual modelo, apenas os excepcionais e os mais teimosos podem conseguir evidenciar-se. É um modelo poupadinho, conforme exigido, de aposta nos melhores dos melhores, que esquece que da quantidade surge a qualidade, que a emulação consegue muito.
Apesar da baixa intensidade de uma aposta nacional no desporto, ainda há quem reclame dos resultados dos portugueses nos Jogos Olímpicos (alguns, nunca desmerecendo, com manchetes indigentes). E nas televisões, o espaço para o atletismo e outras modalidades - tardes e manhãs inteiras nas duas RTP, com corta-mato, meetings de atletismo, torneios de ténis, provas de esqui, de natação, de saltos para a água, de ginástica, de ciclismo - foi substituído, desde a fundação da SIC, pela monocultura do futebol e dos debates canalhas e sectários.
A coisa passou à frente de vários olhos jornalísticos. Dos autores da adaptação da peça nos lugares que a publicaram, aos editores e chefias que terão aprovado a sua publicação.
A ninguém ocorreu que uma prática de medicina tradicional (até vem lá escrito na notícia), conhecida também em Portugal (e divulgada com um nome que será contemporâneo - e não milenar, como a prática) não pode ser conhecida pelo nome sem tradução atribuído por um canal de televisão norte-americano.
Falta-lhes noção de contexto e de cultura.
Bem sei que a peça quererá responder a uma curiosidade dos leitores surgida agora, mas o jornalismo além de curto, claro e conciso tem de ser culto.
Ficarem a cultura e a reflexão à porta das redacções explicará que numa publicação portuguesa se chame cupping a uma prática com origem na China, Egipto e Médio Oriente antigos.
Nos jornais (onde há gente que lida com a língua portuguesa e com as novidades) há sempre uns artistas a redescobrir o fogo e a dar nomes ingleses a coisas tão velhas como o Partenon.
(Foto: www.eumozaik.hu)
Há vários anos que Vicente Moura aponta o caminho. O mesmo número de anos há que repete que Portugal tem de passar a preparar-se de outra maneira para as Olimpíadas.
O homem já estava à frente do Comité Olímpico quando se prepararam os jogos de Sydney, de Atenas, Pequim, Londres. Passar-lhe-á pela cabeça que até tem tido algumas responsabilidades na coordenação e trabalhos dos desportistas?
Parece que não. De quatro em quatro anos, o presidente do comité olímpico repete as mesmas ideias: Que falta desporto escolar e universitário, que o sistema desportivo está obsoleto. Traindo a existência de um original pensamento próprio, Vicente Moura lá sugere que se reinstaure a Mocidade Portuguesa, que se mandem vir uns pretos.
Vicente Moura esquece-se ou ignora que, em Londres 2012, a Hungria (país com aproximadamente o tamanho de Portugal e a mesma população) ganhou 17 medalhas. Só de ouro foram oito. Todas conquistadas por pessoal com ar de eslavo como o esgrimista da foto, Szilagyi Aron.
Criar condições e estabilidade vale tanto ou mais que justificações como a predestinação genética ou racial.
Exemplar e bastante útil para consumo interno a crónica que Ferreira Fernandes escreveu hoje, no Diário de Notícias, a propósito da cobertura jornalística e opinativa da prestação dos atletas portugueses nos jogos olímpicos.
É que o jornal também tem para lá um colaborador bastante lido e disputado - prova viva de que a mediocridade abjecta compensa - que ainda esta semana dissertou de modo indigente sobre os resultados nacionais em Londres 2012 e noutras olimpíadas.
O tipo caiu em graça sem nunca ter tido gracinha nenhuma e não o linco. Se a ASAE do velho Nunes passasse por cá ainda me fechava o blogue.
(foto: Record)
Nos últimos jogos olímpicos, Marco Fortes atreveu-se a fazer uma piada com o seu insucesso na prova de lançamento do peso: “Cheguei à conclusão que de manhã só estou bem na caminha. Lançar a esta hora foi muito complicado. Apesar de ter entrado bem na prova, com dois lançamentos longos com mais de 19 metros, no último as pernas queriam era estar esticadas na cama.”
Caiu-lhe o país em cima, que os autóctones são de indignação fácil e ruidosamente histérica com os assuntos irrelevantes e com os sentidos de humor pouco óbvios. O melhor lançador de peso português de sempre, com marcas relevantes (ainda agora confirmadas no Europeu de Atletismo), numa disciplina sem tradição nacional, acabou por pedir desculpa. Como se fosse uma fortuna a bolsa que recebia para treinar, como se Portugal investisse nos seus atletas de alta competição, recordistas ou vencedores de medalhas, um avo do que investe nos futebóis*.
Vicente Moura, o eternizado presidente do Comité Olímpico (COP), juntou-se ao coro. Marco Fortes acabou por regressar mais cedo de Pequim, de castigo. O dirigente falou do brio e profissionalismo dos atletas, da sua cultura e educação; foi contestado; viu Rosa Mota ser apontada para ser sua sucessora; sem grande convicção aparente, ameaçou deixar a presidência do COP para depois reconsiderar; pôs em causa a eficácia da preparação dos desportistas, pediu o apoio das federações para fazer mexidas profundas na instituição; vincou a necessidade de aprender com a missão a Pequim.
Passaram quatro anos e, desta vez, Vicente Moura não promete medalhas. Resta saber se é apenas por receio da fasquia demasiado alta, como em 2008, ou também pela fé no trabalho entretanto desenvolvido.
*As três medalhas conquistadas por atletas portuguesas em Helsínquia, entre os dias 27 de Junho e 1 deste mês, ficaram bem mais baratas que o hotel escolhido pela selecção de futebol para ficar no Euro 2012. E quem deu por elas no meio do ruído que envolveu os pupilos de Paulo Bento - embora unido, o mais fraco grupo de selecionados dos últimos anos?
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