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O termo cantautor é um neologismo horroroso e, por estes dias, lá se teve de levar com ele por causa de Bob Dylan. Nos anos em que editei textos de lazer e cultura, limpei-o sempre que me apareceu à frente.
É uma salganhada semântica importada e soa mal como o raio. Um por outro ainda podia passar, mas não havia edição nenhuma em que não se acumulassem cantautores, exposições patentes e subidas ao palco.
Ainda por cima anda aí um anúncio de concerto onde se chama cantautor a um produto de pimbo-pop adolescente chamado Shawn Mendes. Com Dylan na ribalta, usar o termo onde se torna impossível aplicá-lo é mesmo não ter qualquer respeito pelo ouvido das pessoas.
O El Pais contabiliza as línguas do Nobel da Literatura. Vinte e sete autores de língua inglesa, 14 da francesa, 13 da alemã e 11 da espanhola. Os 11 premiados em espanhol (espanhóis mesmo espanhóis apenas cinco: Echegaray, Benavente, Jiménez, Aleixandre e Cela) são ultrapassado pelos premiados em francês e alemão, duas línguas com menor peso de falantes. Também há seis premiados que escreveram em russo - tantos quanto os vencedores italianos e menos um que os suecos, que, de qualquer modo, jogam em casa.
Mas o que o periódico quer vincar é o desequilíbrio a favor dos idiomas ocidentais, contra línguas tão faladas como o chinês (Gao Xingjian e Mo Yan), o japonês (Yasunari Kawabata e Kenzaburo Oe), o árabe (Naguib Mahfouz), o bengali (Rabindranath Tagore, já em 1913). Este enviesamento tem razões históricas.
Até por isso, mais notório se torna o muito residual peso do português entre os vencedores do galardão. Num prémio que tem sido tão ocidentalizado, um país ocidental, detentor de uma das seis línguas mais faladas do mundo (por causa do Brasil), com uma literatura cultivada desde o século XIII, consegue ter apenas um vencedor - José Saramago, em 1998.
Hoje estou em dia de espantos.
Passará pela cabeça de algum responsável pela política de língua de um país que uma das maiores bibliotecas do mundo, em Xangai, não tenha livros dos autores essenciais, na língua desse país?
Nota 1: No pacote do Camões, deve ser enquanto Carlos Reis não conclui a sua demorada tarefa de editar Eça de Queirós criticamente na Casa da Moeda, vão umas traduções em inglês do autor. Pode ser que o Instituto Shakespeare dê uma ajudinha nos custos de envio.
Nota 2: Ia mais bem servido o Camões se tentasse evitar o fim de milhares de livros nas guilhotinas das editoras, aproveitando-os para entregas a bibliotecas estrangeiras e escolares seleccionadas.
Aqui há uns anos, durante um curso de segurança e defesa para jornalistas, no Instituto de Defesa Nacional, falei um bocado sobre política de língua portuguesa com um antigo responsável governamental socialista.
Não havia ali uma ideia sobre o assunto, tirando a vaga intenção de construir uns sites e assim.
Há muito que a Espanha percebeu a importância do tema. A França também e até mesmo a Alemanha, cujo idioma só se fala na Europa, tem uma atenção ao Goethe Institut sem paralelo em Portugal ou no Brasil. Affonso Romano de Sant'Anna, recentemente, em depoimento ao Jornal de Letras, declarava que, apesar dos 200 milhões de falantes, o português é um dialecto.
Nos últimos anos, numa opção pessoal que tem mais de emocional que de racional, milhares de portugueses têm aprofundado e certificado o seu conhecimento de espanhol, idioma quase gémeo, cuja leitura e compreensão oral se tornam quase imediatas com escasso convívio. Não são as ligeiras diferenças sintáticas e os falsos amigos que justificam a dimensão do investimento. Nos níveis iniciais, então, vale a pena comparar os ritmos de entendimento de um português e do falante de outro idioma, a mais que justificarem um regime de ensino diferenciado e com menos etapas.
No que toca a prémios, a entrega do Cervantes é aguardada com expectativa pelo mundo intelectual. A percepção do Camões - e da sua evidente utilidade - é tão reduzida que na comunicação social mainstream em português chega a ter mais impacto a entrega do PT Literatura. E o próprio nome da coisa não é consensual entre as entidades portuguesas e brasileiras que o financiam. No portal do Ministério da Cultura brasileiro chega mesmo a chamar-se-lhe mesmo Prémio Luís de Camões.
Mas que fazer quando são os próprios portugueses, alguns deles com evidentes responsabilidades de Estado, que insistem em mostrar os seus dotes para falar estrangeiro em qualquer sítio onde se encontrem? Sampaio, Cavaco, Guterres, Durão Barroso, Sócrates, Passos Coelho, chegam a sítios pejados de tradutores-intépretes e preferem expressar-se na língua dos outros ou numa língua terceira.
O caso da Guiné voltou a evidenciá-lo. Nas Nações Unidas, o habitualmente patriótico Paulo Portas optou pelo inglês. Declarações em português ficaram por conta de um angolano, representante de uma potência regional que parece já ter percebido melhor que os seus irmãos mais velhos a verdadeira importância de uma política de língua.
Nota: Pelos vistos, , no seu discurso, Paulo Portas ainda fez uma perninha em crioulo. O que quer dizer que percebe a importância do uso da língua.
Sobre o conteúdo nem vale a pena falar, tal é o carácter nazi da ideia.
Já sobre o título do artigo tenho opinião. App é abreviatura da palavra inglesa para aplicação.
O seu uso nestas circunstâncias é escassamente informativo (só quem sabe do que se trata percebe o título) e cheira a preguiça (falta de vontade para desenvolver uma abreviatura própria).
E embora não seja essa a intenção, um jornalista também não tem de usar nos seus textos aquilo que é o nome de um produto comercial. Tem obrigação de explicar aos leitores de que se trata isso a que se chama App. Não é preciso falar no Excel se se souber o que é uma folha de cálculo, nem falar do word se se souber o que é um processador de texto.
Que o termo gay tenha entrado no vocabulário nacional já diz muito do provincianismo nacional, que vê no falar as línguas dos outros uma marca de superioridade. Mas a força de uma cultura também se confirma na capacidade para criar os seus equivalentes técnicos.
Já me basta que aqui ao lado, neste blogue, numa plataforma portuguesa, exista uma lista de tags. Ninguém se lembrou de lhes chamar etiquetas?
Alguém pensa que no Portugal dos Descobrimentos não havia termos portugueses para as várias partes do navio, tecnologia de ponta e ainda por cima nacional?
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