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As regências andam pela ordem da morte.
O autor escreve que "não é essa a solução de que o país precisa". No corpo da notícia, no Expresso, mas talvez o erro venha da Lusa, até citam a frase correctamente. Mas no super-lead, o mais visível para os leitores, tratam de lhe destruir a sintaxe. Põem a frase entre aspas, mas apagam a preposição "de". Escrevem antes "não é a solução que o país precisa".
Tanto lhes faz.
Aliás, no outro dia, uma editora, um potentado do sector, mandou-me pela segunda vez uma frase a publicitar "os livros que mais gosta" . Reclamei, segunda vez. Expliquei-lhes novamente que se diz "os livros de que mais gosta".
Já nem de ouvido se chega lá, tantas são as vezes em que deglutem as preposições na televisão. Por isso, o melhor é decorar a regra: o verbo gostar e o precisar são, aqui transitivos indirectos e regem um complemento oblíquo introduzido pela preposição de.
Uma sande, um téni, um neurónio.
Ccom o acordo ortográfico de 1990, houve quem descobrisse a existência de palavras com duplas consoantes que abriam uma vogal anterior.
Assim, adeptos da ortografia anterior decidiram que todas as palavras com vogais abertas necessitariam de duplas consoantes a seguir. E começaram a inventá-las a eito em palavras que não as tinham.
São os "profectas" da desgraça, os "contractos" assinados e por aí fora.
Quase todos os jornalistas portugueses terão lido no liceu um romance chamado Os Maias. Ainda assim mostram-se sistematicamente incapazes de acertar no plural dos nomes próprios.
Em português, a coisa sempre se chamou aboborinha, mas nos jornais há quem prefira aportuguesar o estrangeiro courgette com que têm chegado aos supermercados.
Insiste-se em dizer-se e escrever-se que alguém é qualquer coisa dos sete costados. Benfiquista dos sete costados, alentejano dos sete costados e por aí fora. Ora, os mares é que são sete, os costados são quatro, tantos quanto os avôs que todos nós temos.
A expressão vem, pois, da genealogia. Assim, ser-se algo dos sete costados sugere que se desconhece um dos oitos bisavôs. Sugere até que alguém da família não se portou como devia.
Todos os anos, há décadas, se repetem os avisos. Diz-se Pais Natais e não Pais Natal.
Mas nunca falha, descobre-se sempre alguém que escreve em jornais e a quem a formação do plural de Pai Natal não provoca qualquer inquietação.
Confesso alguma dificuldade em perceber organizações nacionalistas chamadas Portugal Hammerskins e a identificar os seus recrutas como hangarounds e prospects.
Claro que aqui também se asneia no português. Claro que não sei tudo e depois de várias reescritas já não se vê nada. Daí que as coisas fiquem muitas vezes gralhadas, erradas, empasteladas. Na semântica e na sintaxe. Daí a necessidade da edição, da revisão, de outros olhos.
Um "encasinar" como o do Público é grave, e não apenas por ser o jornal que julga ser. É grave também, como lembra Vital Moreira, pela campanha que um dos directores recorrentes da casa tem feito contra o Acordo Ortográfico de 1990.
Eu também não gosto e não uso. Mas antes cuidassem primeiro da casa onde vivem e escrevessem encanzinar como se deve escrever. Antes fizessem uma limpeza dos Corões no lugar de Alcorão e de disparates como o cupping. Infelizmente, são posturas que pedem uma cultura e exigência que os jornais não têm para dar. No caso do cupping, não satisfeitos com a ignorância, passados uns dias, ainda se foram enterrar mais, insistindo no nome inglês de uma prática secular e tradicional.
Há semanas, outro episódio na linha da ignorância da língua. Por causa das agressões dos filhos do embaixador iraquiano, o jornal i, enviou uma repórter a Ponte de Sôr. "Foram coisas de «caspada»", escreveu a jornalista. Repetia o testemunho de um morador da terra. Mas repetia o que percebera, totalmente desconhecedora da palavra cachopo e das suas variantes.
* Na ligação de dicionário sugerida por Vital Moreira especifica-se que encanzinar só se usa pronominalmente - o que não sigo. Não tenho casos para abonação, mas não será assim.
A tradução tornou-se rotineiramente mal paga. E se os clientes pagam mal, é natural que para despachar se evitem grandes preocupações com o rigor. Quanto mais se traduzir, mais se recebe - embora sempre mal. Depois dá bronca. Sai a obra uma coisa achavascada.
Há dias, num canal televisivo, em programa sobre o Código Hays, o código de censura dos filmes norte-americanos que vigorou em força entre as décadas de 1930 e 1950, falava-se do modo como Hollywood edulcorava tudo aquilo em que tocava. Exemplo, o filme Sete Noivas para Sete Irmãos, musical clássico, trazido dos palcos, que pegava no tema do “rapto das mulheres da tribo dos Sabines”.
Ora, trata-se obviamente da tradução para um misto de português e de inglês de episódio da história de Roma conhecido em Portugal como o Rapto das Sabinas. Aquilo que é hoje Portugal tem um convívio milenar com a cultura latina. Não deve haver história clássica que não tenha uma designação em português escorreito. Bastaria um módico de reflexão acerca da língua para que lhes ocorresse haver um equivalente português que evitasse uma directa tradução do inglês original do programa. Passa-se o mesmo com dezenas de topónimos internacionais, de África ao Extremo Oriente, de que a imprensa fala diariamente. Dá impressão que os portugueses não passaram por lá, grafando nomes portugueses daqueles lugares.
Ontem, o canal voltava à asneira. Falava de Maurice Dupin, “pai do famoso romacista Georges Sand”. Talvez não seja assim tão famoso. Afinal, não ocorreu a quem traduziu e a quem fez a revisão que George Sand era uma mulher. De qualquer modo, também anda aí uma tradução de um livro do historiador Peter Burke, acerca do renascimento, onde se referem à igualmente senhora George Eliot, como escritor. Que não se dê por isso entre gente que edita livros ainda se torna mais curioso.
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