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O tÃtulo Quinta-feira e outros dias, livro de memórias de Cavaco Silva, parte de uma ideia interessante - é o dia que em Belém se reserva para as reuniões com o primeiro-ministro - mas acaba a meio caminho entre o de uma novela romântica e o de um livro de auto-ajuda. A capa lembra as estilizações modernas dos livros que em tempos pertenciam à colecção Sabrina.
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Deve pressupor-se, pois, que os destinatários são os mesmos? Diria que não, mas depois há a pré-publicação da coisa no Expresso que não favorece esta expectativa. Falta sumo às revelações. O que o semanário destacou, a fazer fé nas televisões, foram as reuniões sonolentas de Cavaco primeiro-ministro com o Presidente da República Mário Soares; os atrasos sem aviso de Sócrates, em quem Cavaco não acreditava; a pontualidade de Passos Coelho, que aguardava calado as perguntas do inquilino de Belém.
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Algum jornalismo há-de gostar disto a que chamam detalhes, pormenores que só por mero acaso definem um carácter. Mas se editores e jornalistas não encontraram no livro mais do que estes circunstancialismos sem concretização substancial, confirma-se pela enésima vez a espessura do autor. Ou então querem fazer suspense com o sumo.
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Mário Soares tinha todas as qualidades e nenhum dos defeitos dos portugueses.
Mário Soares diz que alguns membros do Governo são "deliquentes" e têm de ser julgados.
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Jorge Sampaio pede "assomo patriótico" e repudia crÃticas ao Tribunal Constitucional.
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Jerónimo de Sousa chama a Passos e Portas "trapaceiros e malabaristas".
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O antigo reitor Meira Soares acusa o Governo de "estupidez".
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"Com o que tem acontecido em Portugal era para ter uma guerra civil em cima", diz o bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.
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Marques Mendes acha que "parece um governo de adolescentes e de gente imatura".
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(Foto: Steven Governo/Global Imagens in jn.pt)
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Em tempos de crise tão séria que até afecta a sempre poupada instituição presidencial, será clarificador que alguns conselheiros de Estado expliquem a Cavaco o inusitado da agenda da reunião de hoje - Portugal depois da saÃda da tróica.
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As crÃticas não faltarão. Mas, pelo teor das suas declarações nas últimas semanas, Cavaco não andará disposto a ouvir análises que falem da austeridade ou da existência real de uma crise polÃtica há muito em curso.
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Da última vez que se reuniu este órgão de aconselhamento presidencial, Mário Soares saiu consideravelmente antes do fim. Desta vez duvida-se que haja saÃdas extemporâneas.
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Olhando para a composição do órgão, Seguro não o pode fazer. Arrisca-se a ter de lidar com Cavaco enquanto Presidente. Os presidentes dos tribunais, dos governos regionais e o provedor de justiça estão lá enquanto representantes institucionais.
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Dos que se representam a si próprios, Sampaio tem uma visão formal, respeitadora e litúrgica do exercÃcio da coisa pública. O mesmo se passa com Eanes. O general, acresce, não andará longe do ponto de vista de Cavaco. Eventualmente do do Governo. Os restantes conselheiros estão alinhados com a maioria ou com Belém.
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Apenas o antigo Presidente Mário Soares e Manuel Alegre terão a vocação e a liberdade de pensamento suficientes para perturbarem o sossego do Conselho de Estado, juntando palavras crÃticas a uma saÃda abrupta da reunião.
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Fazer previsões sobre o estado do paÃs daqui a um ano tem demasiado de futurologia para justificar o tema da convocatória para hoje. Se as certezas e dúvidas do Presidente não forem confrontadas fora do seu quadro mental, este Conselho de Estado não servirá mesmo para nada.
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(Foto: SIC NotÃcias)
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Num paÃs com uma opinião pública mais informada e exigente, VÃtor Bento não teria condições para ser conselheiro de Estado ou para, através da comunicação social, dar conselhos moralistas aos outros.
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Mas é. E é um dos propostos por Cavaco, que só tem nomeado gente que pensa como ele, ao contrário de Mário Soares e Jorge Sampaio que procuraram o pluralismo no aconselhamento.
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Vir agora um conselheiro de Estado defender a refundação do regime e revisão da constituição, na linha de Passos Coelho, lança confusão sobre o longo silêncio cavaquista, quebrado apenas num hotel de luxo.
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Curioso quando até o FMI parece já ter percebido algumas coisinhas básicas e Cavaco fora de portas também. Caso não se tenha dado por isso, a refundação do paÃs e a revisão da Constituição apenas visam promover o rumo que se tem seguido.
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(Foto: bbc.co.uk)
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Segui com curiosidade a figura de Barack Obama a partir da altura em que o vi entrevistado por Jay Leno, ainda estava longe de ser escolhido pelos democratas como candidato à presidência dos Estados Unidos da América. Há quatro anos, por mera motivação pessoal, acompanhei debates em directo, sondagens e análises estatais, o noticiário norte-americano.
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O noticiário português, não me lembrava já e reapercebi-me ontem ao seguir novamente os canais internacionais, não permitia uma visão segura sobre o que se passava realmente no terreno. NotÃcias com dois e três dias eram publicadas como novidade nos onlines dos nossos órgãos de comunicação social. E mais vale olhar sozinho para as sondagens em bruto que ler análises em quarta e quinta mão sobre elas.
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Este ano - há tanta coisa para desesperar, para quê juntar-lhe as incertezas de uma reeleição num paÃs distante? - andei afastado da terça-feira eleitoral. Ontem, ao inÃcio da noite, ainda jornalistas portugueses nos garantiam que só lá para sexta-feira haveria resultados tal era a proximidade entre os candidatos à Casa Branca e grande a probabilidade de que contestassem a votação nalguns colégios eleitorais. Em cheio, como se viu: pouco depois das dez da noite local já se sabia que Obama tinha mais quatro anos de mandato, a maioria dos eleitores dos estados dançarinos tinham-lhe ido parar à s mãos, tal como a maioria dos votos populares e o Senado. E nem no Wisconsin, estado-natal de Paul Ryan, candidato republicano à vice-presidência, ou no Massachussets, onde Mitt Romney governou, se deixou de dar a vitória ao democrata.
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Às 5h da manhã soube que Obama vencera já as eleições. Durante a noite e a madrugada, pelos canais televisivos portugueses, encontravam-se os mesmos analistas de há quatro anos. Vasco Rato, Nuno Rogeiro, gente que fez parte das estruturas ideológicas do Governo de Durão Barroso-Paulo Portas.
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Não fiquei a ouvi-los, confesso. Atrevo-me a dizer que terão sugerido que entre Obama e Romney não há grandes diferenças, que Romney é um republicano moderado, que a eleição de um ou de outro seria indiferente, como se viu nestes quatro anos falhados. Nem todos os analistas da clique PSD e CDS-PP estiveram a favor da invasão do Iraque, mas os executores polÃticos empenharam o paÃs nessa intervenção ao lado de George W. Bush.
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Quatro anos passados, Obama não cumpriu muito do que prometeu. Ann Nixon Cooper já não está entre os vivos como estava em 2008. Os desejos tropeçam sempre na realidade. E a maioria republicana no Congresso tudo fará para minar iniciativas presidenciais. Mas, mesmo assim, é sempre melhor partir de um programa polÃtico onde a justiça e a cidadania prevaleçam do que de um onde se defenda o salve-se quem puder, o darwinismo social e o totalitarismo dos mercados. A ver o que faz agora Obama ao anunciar que "o melhor ainda está para vir".
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A eleição de Romney poria a Europa e os Estados Unidos a puxarem para o mesmo lado. O da austeridade e do empobrecimento sem barreiras. Só que no que toca ao sudeste asiático as paisagens são mais atraentes que os modelos sociais e as leis laborais. E a salvação dos orientais nunca ganhará nada com a miséria dos povos de outros continentes. Angela Merkel não precisa de mais aliados, como lembra Mário Soares. Precisa é que lhe tirem o tapete.
O sequestro da tróica não justifica a violação da Constituição, conforme sugerido pelo Tribunal Constitucional e por comentadores de serviço. E é até bem provável que os cortes de subsÃdios dos funcionários públicos e pensionistas se venham a estender ainda mais rapidamente ao privado, o que será da mais elementar justiça relativa, mas uma injustiça em termos absolutos e uma inanidade económica.
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Bem pode José Gomes Ferreira na SIC arengar à s massas que não há dinheiro para pagar salários da Função Pública caso não se cumpra o memorando da tróica ou vaidoso polir os galões de ter feitos referências crÃticas à s parcerias público-privadas.
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No essencial, deu guarida nos seus programas aos catequistas do neo-liberalismo que conduziram aqui o paÃs.
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Como lembrava há dias Mário Soares (que até terá sido um dos responsáveis pela nova vinda do FMI) nunca a humanidade se conformou com as inevitabilidades. E sem lutar pela mudança é que nunca nada mudou.
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*De uma canção de Sérgio Godinho com ligeira alteração
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Ouve-se dizer que Cavaco foi ao São João e espera-se o pior.
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A reportagem começa no bairro das Fontainhas e adivinha-se a chacina martelante na presidencial cabeça.
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Mário Soares andou por lá em tempos e não foi poupado às marteladas. Recebeu-as divertido.
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Mas Cavaco não andou nas ruas. A acção nas Fontainhas decorria em paralelo.
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O inquilino de Belém refugiou-se num barco do Douro e apreciou o fogo de artifÃcio à distância.
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