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As regências andam pela ordem da morte.
O autor escreve que "não é essa a solução de que o país precisa". No corpo da notícia, no Expresso, mas talvez o erro venha da Lusa, até citam a frase correctamente. Mas no super-lead, o mais visível para os leitores, tratam de lhe destruir a sintaxe. Põem a frase entre aspas, mas apagam a preposição "de". Escrevem antes "não é a solução que o país precisa".
Tanto lhes faz.
Aliás, no outro dia, uma editora, um potentado do sector, mandou-me pela segunda vez uma frase a publicitar "os livros que mais gosta" . Reclamei, segunda vez. Expliquei-lhes novamente que se diz "os livros de que mais gosta".
Já nem de ouvido se chega lá, tantas são as vezes em que deglutem as preposições na televisão. Por isso, o melhor é decorar a regra: o verbo gostar e o precisar são, aqui transitivos indirectos e regem um complemento oblíquo introduzido pela preposição de.
Uma sande, um téni, um neurónio.
Quase todos os jornalistas portugueses terão lido no liceu um romance chamado Os Maias. Ainda assim mostram-se sistematicamente incapazes de acertar no plural dos nomes próprios.
Muito se possui por essa televisão afora. É que ninguém tem.
E também ninguém põe, toda a gente coloca.
Ouvido acerca da fuga de Pedro Dias, o polícia vinca a repulsa pelo termo avistamentos. E corrige para contactos visuais.
Entrou-lhes na alma aquele linguajar bizarro vagamente semelhante ao português que usam quando são ouvidos pela comunicação social.
O termo cantautor é um neologismo horroroso e, por estes dias, lá se teve de levar com ele por causa de Bob Dylan. Nos anos em que editei textos de lazer e cultura, limpei-o sempre que me apareceu à frente.
É uma salganhada semântica importada e soa mal como o raio. Um por outro ainda podia passar, mas não havia edição nenhuma em que não se acumulassem cantautores, exposições patentes e subidas ao palco.
Ainda por cima anda aí um anúncio de concerto onde se chama cantautor a um produto de pimbo-pop adolescente chamado Shawn Mendes. Com Dylan na ribalta, usar o termo onde se torna impossível aplicá-lo é mesmo não ter qualquer respeito pelo ouvido das pessoas.
O El Pais contabiliza as línguas do Nobel da Literatura. Vinte e sete autores de língua inglesa, 14 da francesa, 13 da alemã e 11 da espanhola. Os 11 premiados em espanhol (espanhóis mesmo espanhóis apenas cinco: Echegaray, Benavente, Jiménez, Aleixandre e Cela) são ultrapassado pelos premiados em francês e alemão, duas línguas com menor peso de falantes. Também há seis premiados que escreveram em russo - tantos quanto os vencedores italianos e menos um que os suecos, que, de qualquer modo, jogam em casa.
Mas o que o periódico quer vincar é o desequilíbrio a favor dos idiomas ocidentais, contra línguas tão faladas como o chinês (Gao Xingjian e Mo Yan), o japonês (Yasunari Kawabata e Kenzaburo Oe), o árabe (Naguib Mahfouz), o bengali (Rabindranath Tagore, já em 1913). Este enviesamento tem razões históricas.
Até por isso, mais notório se torna o muito residual peso do português entre os vencedores do galardão. Num prémio que tem sido tão ocidentalizado, um país ocidental, detentor de uma das seis línguas mais faladas do mundo (por causa do Brasil), com uma literatura cultivada desde o século XIII, consegue ter apenas um vencedor - José Saramago, em 1998.
A coisa passou à frente de vários olhos jornalísticos. Dos autores da adaptação da peça nos lugares que a publicaram, aos editores e chefias que terão aprovado a sua publicação.
A ninguém ocorreu que uma prática de medicina tradicional (até vem lá escrito na notícia), conhecida também em Portugal (e divulgada com um nome que será contemporâneo - e não milenar, como a prática) não pode ser conhecida pelo nome sem tradução atribuído por um canal de televisão norte-americano.
Falta-lhes noção de contexto e de cultura.
É jornalista, está na casa dos 30 e é aquisição recente do comentário futebolístico televisivo.
Tem um discurso pontuado de linhas como "poderão haver", como "quer quêiramos, quer não".
Quem consegue ouvi-lo falar de pontapés na bola quando está sempre a prender a atenção dos espectadores com os pontapés no português?
Além do cartaz com erro que se vê na imagem, manifestantes de colégios privados com contrato de associação têm usado pelo menos outro de sintaxe aberrante:
"Querem tirar-me a escola que gosto"
Ao menos da qualidade do ensino de português não se podem gabar muito.
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