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Primeiro, Marcelo Rebelo de Sousa avisou que não iria "dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas", no Outono de 2017. Ou seja, um Depois logo se via que entretanto desdramatizou.
Agora, comparou-se a um cogumelo grande que aguenta "por uns tempos" um cogumelo pequeno que é o Governo.
Não era preciso muito para Marcelo Rebelo de Sousa deixar a léguas o seu antecessor, quer na qualidade do magistério quer na popularidade. Mas convém não esquecer a natureza deste Presidente da República.
Primeiro, Marcelo Rebelo de Sousa atirou Schäuble, ministro das Finanças alemão, para a categoria dos intriguistas de jornal.
"É uma repetição. É talvez a quarta ou quinta vez em que quando estamos a oito dias de uma decisão europeia, sobre qualquer país, não é só Portugal, começa a haver notícias nalguns jornais, declarações aqui e aciolá, especulações aqui e acolá, vai acontecer, não vai acontecer. Mas já não é a primeira vez. Se virem bem, isto é um filme que nós já vimos. Já é para aí a terceira, quarta ou quinta vez que assistimos a isto. E portanto deve ser encarado e relativizado. Faz parte da lógica da política e da lógica da especulação político-económica ali, nos últimos dias antes de uma decisão, haver as notícias e comentários mais variados"
Depois, perante a insistência no assunto de um burocrata alemão - o diretor do fundo europeu de estabilidade, Klaus Regling - que se declarou mais preocupado com a situação de Portugal que com o Brexit ou com os refugiados, o Presidente da República mostrou compreensão com o pobre homem.
"Faz parte da natureza humana às vezes ter preocupações assim estranhas ou inesperadas, mas temos de respeitar as preocupações de cada qual sendo que estamos em véspera de uma decisão sobre Portugal (ou sobre outros países) relativamente à sua situação financeira nós assistimos sempre às mesmas preocupações a uma certa distância e não é deste governo, já no governo anterior. Portanto, faz parte da vida convivermos com essas preocupações e saber distinguir entre aquilo que é mesmo motivo de preocupação ou aquilo que é uma forma de pressão a cinco ou seis dias de uma decisão."
Raquel Abecassis trabalha na Rádio Renascença, emissora onde, sem ironia alguma, se faz jornalismo de referência.
Acresce que Raquel Abecassis tem demasiados anos de jornalismo para se aceitar que responsabilize o articulado da Constituição por ainda não haver um Governo a funcionar em plenitude de funções:
Ora, era interessante saber o que leva a experiente jornalista da área política a fazer uma afirmação destas. Salvo melhor opinião, não dou com outros articulados, nada nesta alegada demora para constituir Governo pode ser assacado à Lei Fundamental.
O que a Constituição prescreve é que
Artigo 187º. (Formação)
Ou seja, para nomear quem forme Governo, o PR tem de ouvir os partidos, coisa que Cavaco, cavalgando proximamente a inconstitucionalidade, começou por não fazer. De seguida, nomeia-o. Nada está especificado quanto a tempos, mas convém que haja consciência daquilo que cada situação exige. O que decorre apenas do bom-senso do Presidente da República e não do articulado da Constituição. Com o Governo nomeado, passa-se, de seguida, para a entrada em funções do Executivo.
Artigo 186º (início e cessação de funções)
Após a tomada de posse, o Governo tem um prazo curto, de dez dias, para apresentar o programa.
Artigo 192º (Apreciação do programa do Governo)
Ou seja, no texto da Lei Fundamental, há um prazo de dez dias para apresentar programa, o resto é deixado ao cuidado dos agentes políticos a sua agilização.
Infelizmente, passando asinha, asinha pelas responsabilidades de Cavaco, principal causa motora da formação do Governo, e principal retardador do processo, Raquel Abecassis nem sequer resiste à habitual ladainha decadentista sobre Lá fora é que é bom e lá é que se faz tudo bem. Até fala de outros países - não diz quais, mas não deve ser a Alemanha - onde tudo teria corrido em grande velocidade. À falta de consistência das análises, ainda se junta a convicção obstinada sobre negativas excepcionalidades nacionais que, depois, vai a ver-se, e, como no caso alemão, nem sequer perdem com esta comparação.
(Foto:ionline.pt)
No dia da entrevista de Sócrates, Cavaco fez uns comentários deslocados sobre intrigas político-partidárias que em nada ajudavam a resolver a crise que o país atravessa. Cavaco acha que duas pessoas bem-intencionadas com a mesma informação chegam à mesma solução. É normal que o irritem aqueles que não lhe reconhecem o génio superior.
No dia a seguir à entrevista onde Sócrates disse com todas as letras o que pensava do inquilino de Belém, em contra-resposta que dá razão aos que falam da sua mão escondida, mais coisa, menos coisa, Cavaco repetiu o que dissera na véspera numa empresa de peixe congelado.
Ontem, confrontado por jornalistas recusou-se a responder às duras acusações de José Sócrates: "Há uma coisa que um Presidente da República nunca faz: é comentar comentadores", afirmou.
Apenas um vício no raciocínio presidencial. Na entrevista à RTP, Sócrates respondeu a um prefácio escrito por Cavaco - Presidente. A um prefácio onde o chefe de Estado fez duras acusações e críticas ao ex-primeiro-ministro quando este já não tinha quaisquer hipóteses de defesa institucional.
Atacar quem não se pode defender, recusando-lhe mais tarde o direito ao contraditório, tem um nome. Mas enfim, nada que assente bem a um Presidente da República.
Medeiros Ferreira, que há tempos via em Cavaco um último reduto de razoabilidade contra a austeridade, já apregoa o homem como um Presidente "fraquinho".
Cavaco nem sabe o que lhe vai cair em cima por recusar receber os cartões postais em defesa da maternidade Alfredo da Costa.
Não acerta uma. Segue tão na mó de baixo que a sua saída de Belém arrisca-se a dar festas na rua. Com foguetes e tudo.
António Costa é um político napoleónico. A pose, o estilo, o tom.
Não por acaso, ocupou cargos governamentais em pastas de Estado, de autoridade. É desses que se terá, porventura, memória mais relevante. Ministro da Justiça com António Guterres, da Administração Interna com José Sócrates. Simplificou as notificações judiciais, ultrapassando a obrigatoriedade de registo postal para confirmar que o visado fora realmente citado; autorizou a execução de mandados a qualquer hora do dia, reduzindo garantias dos cidadãos em nome da eficácia policial
Há uns dias lançou Caminho Aberto, colecção de intervenções políticas suas nos últimos 20 anos. Não faltou quem lhe apontasse o destino apontado à Presidência da República (aqui, aqui e aqui). O cenário é credível.
António Costa é um político napoleónico. O cálculo, a dureza, a ambição.
Quando o diálogo ganhava eleições, António Guterres, minoritário, chamou-o para a secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares. Reconhecendo-lhe massa específica, promoveu-o a ministro da tutela. Um cargo de indiscutível peso político. Foram os tempos do Portugal optimista, da Expo 98, da solidariedade com Timor, da conquista da organização do Europeu de Futebol, mas também da adesão à terceira via Trabalhista, das muitas parcerias público-privadas.
António Costa é um político napoleónico. O sentido de oportunidade, o poder de esquiva, as artes de manobra, maneiras de tirar o corpo a tempo. Mostrou-os com Sócrates. Na Câmara Municipal de Lisboa soube acabar com a berraria dos credores, calar as críticas, cativar adversários. Quem viveu os mandatos de Jorge Sampaio e de João Soares reconhecerá o profundo abismo de resultados. Na corrida com António José Seguro mandou Assis no seu lugar. Quem ocupasse agora o cargo de secretário-geral do PS seria para queimar. Todos o sabem, não há especial ciência nisso.
Em tempos, ele (e José Sócrates também) arranjava sempre maneira de não prestar declarações à secção de política do jornal onde eu trabalhava. Um entendimento selectivo do papel da imprensa. Num conflito sobre transcrição de declarações, que opôs um dos seus a um jornalista de outro órgão de comunicação social, vi-o tentar amesquinhar publicamente o repórter. O gosto pela implacabilidade.
Com a instituição presidencial desgastada e descredibilizada, talvez Costa hesite entre o lugar de sucessor de Passos Coelho e o de Cavaco Silva. São Bento dará mais dores de cabeça, trabalho e desgaste que proveitos. Belém, espaço para fazer esquecer o actual locatário, num lugar unipessoal e moldável a gosto. Na Sic-Notícias, João Cravinho, em comentário, no final do Congresso da CGTP-IN que elegeu Arménio Carlos, indicava preferir António Costa a Carvalho da Silva numa candidatura de esquerda à Presidência da República.
Se o autarca for agora a votos, para a chefia de Estado, antecipa em duas gerações aquele que seria o seu momento natural. De qualquer forma, desde pelo menos 1995, António Costa tem ocupado vários lugares políticos de relevo. E com responsabilidades executivas. A vontade de travar este combate decorre mais da gestão pessoal da carreira e da corrente contabilidade partidária do que da necessidade evidente de mudar o regime e a coisa pública.
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