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Raquel Abecassis terá deixado o jornalismo para concorrer a uma junta de freguesia lisboeta nas listas do CDS-PP e de Assunção Cristas. Talvez seja melhor no exercício do cargo do que no exercício jornalístico.
Fez parte durante anos dos quadros da Rádio Renascença, um canal de referência noticiosa, onde chegou a directora-adjunta, e fez muitas vezes análise política nas televisões. Nos últimos tempos escreveu no digital da estação artigos contra a pós-verdade, embora nada a recomendasse para se insurgir contra as ideias falsas propaladas como verdadeiras.
A seguir às últimas legislativas, Raquel Abecassis insurgiu-se contra a Constituição que retardava a formação de Governo. A Lei Fundamental é um suspeito habitual, mas o prolongar do tempo para a entrada de um Governo em funções deveu-se mais à acção lenta e ressentida de Cavaco - em quem provavelmente Raquel Abecassis votou - do que ao que está escrito nos vários artigos do capítulo acerca da Formação e Responsabilidade do Governo.
Nada do que ali vem impede que um Governo entre em funções num prazo de duas semanas, no máximo de três, após as eleições. O Presidente da República tem de ouvir os partidos, o que pressupõe que estes falem primeiro entre eles, a remoer resultados, durante um par de dias após as eleições. Isso dá depois outro par de dias para o PR ouvir os partidos, outro tanto para para tomar uma decisão. E entretanto estamos no sábado seguinte. O PR nomeia, o Governo tem dez dias para apresentar o programa à Assembleia da República, o Parlamento três para o discutir. E o Governo entra em efectividade de funções. Está tudo escrito entre os artigos 187º e 192º da Constituição.
Mas Raquel Abecassis resolveu lançar-se à Constituição e opinar contra o que lá vem realmente escrito, sem que nas semanas seguintes isso a impedisse de criticar a chamada pós-verdade noticiosa - uma coisa que ela própria vinha ajudando a construir.
Olhe-se por onde se olhe nada recomendará muito Raquel Abecassis como jornalista e analista política.
Raquel Abecassis pode não ter lido a Constituição e pode ter falado de cor, o que revela uma prática jornalística medíocre.
Raquel Abecassis pode ter lido a Constituição e não ter percebido o que leu, o que também não lhe revela especiais dotes no exercício da profissão.
Raquel Abecassis pode ter lido a Constituição, ter percebido o que lá vem escrito e mesmo assim ter opinado como opinou. E isso arrasa quaisquer qualidades jornalísticas.
Olhando à volta, para a classe, acredito bastante que Raquel Abecassis caiu numa das duas primeiras possibilidades. A classe tem as qualidades, competências e capacidades de reflexão que tem. Chamam-se uns aos outros e reproduzem-se. E então nas chefias a mediocridade directamente proporcional aos egos é confrangedora. E isso reflecte-se dramaticamente na qualidade da informação produzida.
Catita ver Raquel Abecassis perorar acerca da pós-verdade, palavra do ano para o dicionário Oxford.
A jornalista da Rádio Renascença, no auge da dúvida que assolou Cavaco Silva quanto a pedir a António Costa que tentasse formar Governo, escreveu doutoral que em Portugal a Constituição fazia com que se levasse muito tempo a formar Governo. Bastava conhecer o articulado da Lei Fundamental para perceber que não era dessa banda que vinha o empatar da nomeação.
Pós-verdade é a ideia falsa assumida como verdadeira apenas por se adequar às nossas convicções. Alguma diferença entre uma pós-verdade e o que a jornalista disse acerca da Constituição e o tempo de formação do Governo?
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