Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Há tempos, citava-me, elogioso, uma senhora de uma antiga família titular a quem ouvira dizer que “ser educado é não incomodar os outros”. Logo a seguir, depois de tomarmos café, à saída, deixava o tabuleiro da louça em cima da mesa, num espaço público com muitos poucos lugares disponíveis e muita gente à procura de sítio para se sentar.
Há dias, atravessava comigo uma passadeira. Quis acelerá-lo quando vi que eu já estava no outro passeio e ele ainda não chegara sequer ao meio da rua, trânsito à espera. “Eu estou na passadeira”, reclamou. Sim, na passadeira, não na pisadeira de ovos.
Não consigo perceber por que terá apreciado tanto a citação da velha senhora.
No Diário de Notícias fala-se das Parcerias Público Privadas hospitalares que "[t]odos elogiam e querem manter". O tonitruante "Todos" parece mais um desejo pessoal de quem fez o título do que acerto jornalístico - coisa que não é de certeza. Não é acerto e para ser jornalismo ainda há que haver um bocadinho mais de esforço.
Vai-se a ler e, logo à primeira linha, se percebe que o Bloco de esquerda está contra. Cita-se uma entrevista de Catarina Martins onde a dirigente bloquista defende o fim das PPP da Saúde. Começa o ruidoso "Todos" a ficar amputado de partes. No DIário de Notícias ouviram-se ainda antigos responsáveis e criadores da coisa que a elogiaram, pois pudera.
O ministro da tutela, que não se quis pronunciar, parece posto no saco dos apoiantes das PPP da Saúde, com argumentos que pecam por ingenuidade ou dificuldades hermenêuticas da jornalista. De declarações antigas do ministro tiram-se conclusões. Tramado é que estas são suficientemente ambíguas e abertas para reflectirem uma posição oposta com a vontade de não mergulhar o Governo em polémicas desnecessárias. A jornalista não chega lá. Usa as proposições como fechadas, quando as devia usar abertas a várias possibilidades, tal como foram expressadas pelo governante.
O trabalho pouco cuidadoso prossegue. Correia de Campos é citado. Diz que as "PPP na saúde nunca foram objeto de litígio nem de crítica quanto ao seu valor e à sua execução porque elas foram geridas sempre com enorme rigor". A jornalista esquece-se de fazer o contraditório das palavras de Correia de Campos. Era o que faltava que o ex-ministro de Guterres e de Sócrates e um dos pais da coisa fizesse a crítica da própria acção. E o contraditório nem era difícil. Bastava uma pesquisa no Google, para achar uma entre muitas críticas.
Na sua contabilidade do "Todos", a jornalista ouviu também um representante do Sindicato dos Médicos Independentes. O clínico disse que os médicos não se assumem nem contra nem a favor do modelo. Afirmou que "trabalham independentemente do titular do meio de produção, o fundamental é a garantia da qualidade das condições de trabalho e consolidação da carreira médica". Difícil ver nisto um elogio ou a vontade de manter as PPP.
Por fim - mas podia ter ficado no segundo parágrafo deste postado - se no artigo se alargasse o escopo dos que foram ouvidos, também se acharia oposições do PCP e do PEV às PPP na Saúde. Mas, depois, o artigo não era a mesma coisa, pois não? Já eram três a pedir-lhes o fim de modo explícito. Ainda o "Todos" do título ficava menos justificado do que aquilo que já não está.
Um grupo - que integra alguns dos mais firmes defensores do estado a que chegámos - juntou-se numa petição contra o casamento entre homossexuais, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a reprodução artificial e a nova lei do divórcio - legislação que os subscritores consideram "corroer o tecido social do país".
Qual desemprego, qual austeridade, qual carapuça. O que as mais de quatro mil pessoas que já assinaram o documento dizem, sem corar, é que estas alterações legislativas, levadas a cabo nos últimos seis anos, contribuem para a actual crise económica e social, ao destruir "pilares estruturantes da sociedade".
Bagão Félix, César das Neves, Gomes da Silva estão entre as personalidades mais sonantes a subscrever o documento. Tudo gente que defende uma liberdade sem peias para a finança e patrões, terraplanando problemas sociais concretos que afectam os portugueses, mas que é a primeira a querer meter-se na cama dos outros.
Esta crónica de hoje vai bem com este post de ontem.
(Foto: japanprobe.com)
Pode rabear-se o que se quiser. Por cá são os mesmos que estão no poder político e económico e é este o tipo de sociedade que está em construção. Mesmo que nem todos consigam perceber a vida enquanto ela acontece.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.