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Para falar do Orçamento do Estado de 2017, José Gomes Ferreira levou ao programa Negócios da Semana, na SIC Notícias, João Duque, Paulo Núncio e Vasco Valdez.
Nos primeiros tempos da tróica, e já antes, João Duque era um dos mais fervorosos apoiantes das medidas de austeridade e do Governo PSD/CDS-PP. Paulo Núncio, do CDS-PP, e Vasco Valdez, do PSD, são dois antigos secretário de Estado dos Assuntos Fiscais - o primeiro com Pedro Passos Coelho, o segundo com Cavaco Silva e com Durão Barroso
Onde é que está cumprida aquela ideia peregrina de que os "factos devem ser comprovados, ouvindo AS PARTES com interesses atendíveis no caso"?
Sem estender muito o perímetro, conto aqui, em redor de casa, seis cafés familiares. Desses geridos por um casal, vivendo de cafés rápidos ao balcão, um ou outro bolo ou salgado, uma dúzia de refeições ligeiras diárias. Quatro contam com um terceiro familiar como empregado, filhos, todos eles. O quinto mantém uma funcionária, apenas à hora das refeições, sem qualquer parentesco com os donos.
Rodo-os a todos nos meus cafés diários, distribuindo mais ou menos equitativamente os 60 cêntimos do consumo. Quando lá entro fora das horas de ponta, sou, muitas vezes, o único cliente. No café com empregada, tirando os donos, não me recordo de ter visto alguém a almoçar.
Nenhum deles fará grande dinheiro ao fim do mês. Vão andando, uma vida atrás do balcão, abrindo das 8h às 20h, alguns até durante mais horas. São o tipo de negócio que o primeiro governo de Passos Coelho e Paulo Portas quis dar à morte. Sem competitividade, sem capacidade de afirmação no mercado, tão diferentes da pastelaria vizinha, empreendedora, sempre cheia, umas duas dezenas de empregados, bolos e pão feitos na casa, em contínuo, uma centena de almoços diários, sucursais noutros pontos da cidade, carrinhas de distribuição própria – um negócio certificado.
A subida do IVA dos 13 para os 23 por cento terá fechado muitos cafés e restaurantes. Estes aqui, em redor de casa, aguentaram-se. Duvido muito que corrijam os preços quando o imposto voltar aos 13 por cento. E, é verdade, nem sempre me dão a factura. Também não a quero para nada e acaba quase sempre por ficar em cima do balcão ou perdida entre a minha muita papelada doméstica.
Nestes anos de tróica, Passos e Portas, sem estes muito milhares e milhares de negócios familiares, parados no tempo, não competitivos, longe de modelares, sem qualquer valor acrescentado, de que teriam vivido estas famílias de gente com a quarta classe? Onde teriam ido parar as famílias do casal proprietário e da filha empregada dos seis cafés aqui em redor de casa?
(Foto: tvi24iol.pt)
Longe vão os tempos em que o Presidente da República se servia da sua quota pessoal no Conselho de Estado para dar voz aos partidos parlamentares sem representação neste órgão.
Com Cavaco a lógica mudou. O actual inquilino de Belém tem optado por indicar quem pensa como ele. Curioso que tenha vindo das suas bandas partidárias (Marques Mendes eleito pelo parlamento e Rebelo de Sousa indicado pelo PR) o anúncio de que o Conselho de Estado estava para se reunir.
O socialista Manuel Alegre, conselheiro eleito pela Assembleia, não sabia de nada. O outro representante parlamentar vindo das bandas do PS, o secretário-geral António José Seguro, soube pelos jornais da convocatória pelos jornais da convocatória do órgão de aconselhamento político do Presidente da República. Aparentemente, a comunicação do Conselho de Estado funcionará melhor num sentido que noutro.
E que se vai discutir no Conselho de Estado? As perspectivas da economia portuguesa após a saída da tróica, daqui a um ano. Além de manter a discussão dentro do círculo ideológico que trouxe o país ao estado em que se encontra, Cavaco procura conselho em matéria que nem sequer está exactamente dentro do âmbito das competências constitucionais presidenciais.
Embora diga que não, que na sombra trabalho muito essas questões, na aparência, Cavaco está mais que desatento ao estado de calamidade em que muitos vivem. Depois admire-se de ter mais uma manifestação marcada para a sua porta, no dia 25 de Maio.
O Orçamento de Estado para 2013 propunha inicialmente criar uma sobretaxa de IRS no valor de quatro por cento.
Na semana passada, houve quem na comunicação social conseguisse noticiar (aqui e aqui, por exemplo) que a referida sobretaxa (que para já não existe) foi reduzida pelo Governo em meio ponto percentual.
Acreditar na patranha de que tirar 0,5 por cento ao valor de uma taxa que ainda se vai criar correponde a uma baixa de impostos assenta na bissectriz que separa os quadrantes da ingenuidade patológica dos da propaganda descarada.
Ontem, encheram-se notícias com a ideia gasparina de que a sexta avaliação da tróica a Portugal correu que foi uma maravilha. Ainda se está para ver que efeito positivo na economia terá mandar umas dezenas de milhares de funcionários públicos para o desemprego.
Marques Mendes deve ter muitas coisas interessantes para dizer. Digo deve ter pois não lhe sigo o programa semanal de tempo de antena na TVI.
Para antigos líderes do PSD com programas televisivos já me basta episodicamente o mais divertido Marcelo, eterno candidato à Presidência da República. E para formar uma opinião, prefiro a prática quotidiana de cada partido ao ponto-de-vista prosélito ou auto-promotor. É mais segura.
O antigo ministro da comunicação social de Cavaco diz que o FMI e o Governo já vão tratando da refundação pedida há dias por Pedro Passos Coelho. Acho bem.
Primeiro, levam-se vinte ou trinta anos a dizer que a segurança social é insustentável. Pelo caminho, segue-se o mesmo processo com a educação e a saúde. Em simultâneo, destroem-se a já então muito frágeis indústria e agricultura nacionais. Gasta-se dinheiro dos contribuinte em pareceres, em obra pública entregue a parcerias público-privadas e a empresas de amigos, duplica-se a estrutura do estado com empresas, observatórios, institutos onde fica facilitada a colocação de boys e se contorna os mecanismos da contabilidade e da contração públicas.
Quando deixa de haver dinheiro, recorre-se a empréstimos usurários junto da banca (Fernando Ulrich é um dos que se financia a juros baixíssimos para o emprestar ao Estado com juros muito mais altos) e diz-se que como se tem de pagar os juros todos, o país não pode sustentar nem as escolas nem os hospitais, nem os desempregados, nem os reformados.
Deve ser o tal desvio muito grande entre o Estado que os portugueses querem ter e o que podem pagar, de que falava o Gaspar. Ainda bem que há quem nos mostre onde devemos querer que seja gasto o dinheiro dos nossos impostos. Seja o Governo, seja o FMI.
O FMI é uma máquina de destruir países. A afirmação que há pouco tempo seria encarada pela maioria como um excesso de radicais, é assumida pela própria responsável máxima do fundo.
Christine Lagarde reconheceu há dias o falhanço em toda a linha do FMI. Erros de cálculo, efeitos secundários das medidas que propõe. Na altura não se escreveu nada. Para quê? Há muito tempo que se disse por aqui o que Christine Lagarde admitiu finalmente. Sobre a instituição, sobre as inevitabilidades defendidas pela maioria dos comentadores.
Quando já tudo se sabe há anos, mas quando tudo o que se sabe era ridicularizado pelo status quo, valerá a pena tirar desforço?
Ontem Jorge Sampaio, cujas boas intenções e humanismo ninguém negará, voltava ao projecto do Governo de Salvação Nacional, em entrevista na SIC Notícias. A medida, pedida por muitos em 2011, e agora recuperada, é uma coisa tecida entre os velhos partidos do arco do poder, deixando de lado CDU e BE.
Quem o pede ainda não percebeu nada. Nesse Governo, não entra um único dos partidos que na devida altura tenha contestado a tróica e suas medidas. Não entra nenhum dos que avisou para o que aí vinha. Nenhum dos que acertou na necesssidade de medidas que agora são já admitidas por quase todos, como a renegociação da dívida. Ou dos que há uma dezena de anos alertaram para os perigos da moeda única numa economia como a portuguesa e que, também por isso, foram mais uma vez marginalizados e hostilizados.
Nem sequer colhe o argumento de que CDU e BE recusaram receber a tróica quando ela entrou por ai a dentro. Nenhuma pessoa honesta acredita que CDU ou BE teriam demovido BCE, Comissão Europeia e FMI de aplicar a velha e tradicional receita que já se sabia iriam aplicar. Estava escrito nas estrelas mas só CDU e BE alertaram para as consequências catastróficas de em paralelo sanear as finanças públicas e pagar a dívida externa com juros agiotas.
Em Belém, Cavaco pode vir agora, pelo Facebook, acertar na necessidade de relaxar o cumprimento do défice público. Pode ter pedido, há que tempos, em Florença, a unidade dos Estados na resposta à crise. Mas o que é que fez, antes e depois, para ser consequente com essas afirmações? Veja-se, por exemplo, o discurso do 5 de Outubro.
Chegado ao poder, o PSD tratou de aplicar uma mézinha que há muito queria aplicar. No interior laranja, ninguém se lhe opôs de modo audível. A reacção interna só agora começou. Para quem tem acompanhado o percurso político de Mota Amaral, não surpreende que não tenha aplaudido a defesa do Governo durante a discussão recente das moções de censura. Não surpreenderá que chumbe o orçamento para 2013.
No CDS-PP adaptou-se o discurso, como se tem feito sempre. Ali não há convicções. Há populismo. E, se não ficarem no poder com o PSD, não desdenharão ficar com o PS. Estão no Ministério da Solidariedade onde a lógica é da aplicação de terror social. Não saberiam que seria assim? Felizmente, vai grassando o desconforto com os falhanços das previsões de Gaspar, que ainda se vê descrito, aqui e ali, como um técnico respeitável e conhecedor. Sairá expulso por indedente e má figura, quando nunca lhe deviam ter dado o direito de admissão.
O país está pior do que há um ano e seis meses. Daqui a um ano e seis meses estará ainda pior. Mas, no PS, em altura de emergência nacional, António José Seguro resolve discutir uma medida populista de redução do número de deputados. Parece mais interessado na burocrática perpetuação no poder dos partidos do pântano. Ensaia também uma certa união dos países do sul contra os países do norte, mas nada diz sobre arrasar os fundamentos suicidas da União Europeia.
Sem o BCE a financiar os Estados - como defendeu ontem a CGTP no final da marcha contra o desemprego, na concentração frente ao Parlamento, sem que a imprensa faça disso eco claro - e sem uma reconstrução europeia que deite fora os fundamentos destruidores do Tratado de Maastricht, não há esperança para Portugal nem para a Europa do Sul. Sem o fim e a nacionalização das parcerias público privadas e sem obrigar os bancos a investir no fomento, a economia portuguesa não recuperará.
Nos três partidos do tal governo de salvação nacional, ninguém admite tocar nisto. Ainda não perceberam que têm de deitar tudo fora. Mesmo que queiram que tudo fique na mesma.
(Foto: radiocampanario.com)
A TSU teve o condão de despertar uma grande maioria de portugueses para a injustiça da governação do PSD/CDS-PP e da presença da tróica. Foi quando perceberam que lhes iam aumentar os descontos para a reforma não para fazer face às dificuldade da Segurança Social, mas para transferir o dinheiro obtido para as contas dos seus patrões.
Acordou-se. Em todos os quadrantes ideológico. Em todos os sectores profissionais. Mais vale tarde que nunca. Só que há um problema. É que o esbulho, que outro nome se lhe pode dar?, não é de agora. E continua.
Já há muitos anos que os portugueses andam a transferir o seu dinheiro para o bolso dos patrões. Conheci muitos e muitos estagiários, licenciados, a quem os pais pagavam para trabalhar. Vindos de fora de Lisboa, alguns ganhavam menos que o salário mínimo, insuficiente para fazer face às despesas com transportes, alimentação e habitação, e trabalhavam às dez e doze horas diárias. Isso não impedia que chefias recebessem anualmente prémios de dezenas de milhares de euros pelo sucesso comercial do empreendimento ou que o patrão pudesse perder 50 milhões de euros em bolsa. E nem falo do meu caso.
Sucessivos códigos laborais (de Bagão Félix, de Vieira da Silva, de Pedro Mota Soares, CIP, CCP, CAP e UGT) aumentaram o tempo de trabalho, flexibilizaram-no, acrescentaram-lhe mais meia-hora, cortaram feriados, desvalorizaram o valor das horas extraordinárias e do trabalho suplementar, esmagaram indemnizações, desestruturaram vidas familiares e atiraram as mais valias resultantes da coisa para o bolso de patrões, que nem por isso contrataram mais gente.
No fundo, é o efeito pimba. O gosto está por educar e o óbvio vence. Isso explica o sucesso de Tony Carreira em contraponto com, por exemplo, Amélia Muge, uma compositora de excepção. Só quando a coisa se torna muito evidente é que a população a percebe.
(Foto: blogue Terra Imunda)
Está cada vez mais articulada em termos oratórios a resposta que os portugueses dão para o seu descontentamento com a crise. Isso foi bem claro na vigília que ontem se realizou durante o Conselho de Estado.
A existência destas manifestações tem feito com que durante um lapso de tempo razoável se quebre o grande consenso narrativo que tem imperado nalguma classe política e entre a maioria dos comentadores televisivos. Uma forma de combater inevitabilidades, quando se anda na rua e ainda se ouve muita gente resignada com a profundidade da austeridade necessária.
Depois, coincidente ou não com o apelo de um sindicato da PSP à contenção da corporação antes do 15 de Setembro, nestas últimas iniciativas de protesto não se falou em cargas policiais mal explicadas. Embora tenha sido aproveitada na imprensa, onde existe quem goste sempre de acenar com os perigos de uma qualquer mano negra, a detenção de manifestantes não ofuscou o impacto dos movimentos. As imagens televisivas são mais que suficientes para destruir esse discurso.
No próximo sábado, dia 29, a CGTP, que não foi ouvida por Cavaco em vésperas de Conselho de Estado, tem uma manifestação marcada e corre o risco de a ver substancialmente alargada em relação ao habitual. Os que continuam a fazer o discurso anti-político, bem nutrido por muitos representantes da classe, talvez não estejam lá, mas a convergência com outras forças existirá. Há pouco espaço na imprensa, como muitas vezes acontece, para ignorar ou passar a vol d'oiseau pela iniciativa da central sindical.
Dia 5 de Outubro, talvez o último a celebrar-se, enquanto feriado, nos tempos mais próximos, realiza-se na Aula Magna, em Lisboa, o Congresso Democrático das Alternativas. Manda a decência editorial que tenha tanto tempo de antena televisivo como uma recente iniciativa de uma fundação ligada a um supermercado. Os organizadores não querem que a coisa seja um momento de chegada e todos os episódios contam para manter vivo o discurso contra a inevitabilidade.
Na feliz expressão de Ana Sá Lopes, Portas tenta "convencer-nos de que fuma «troika», mas não inala".
É o salto em frente que mais do que fragiliza a coligação em dia de enormíssima manifestação. Portas é aquele fulano que fica sempre bem na fotografia e há sempre quem se preste a ajeitar-lhe o cabelo e a sacudir-lhe o pó do blazer.
*Título roubado a Lawrence Durrel, num dos seus volumes dedicado às cenas da vida diplomática (e afinal o que é que está fazendo o ministro dos Negócios Estrangeiros?)
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