Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Carlos Silva pode achar o que quiser da postura da CGTP na concertação social. Mas querer decidir o modo como a intersindical actua ou deixa de actuar, discute ou deixa de discutir, já extravasa um bocadinho as funções do secretário-geral da UGT.
A publicação digital patrocinada por rapaziada do Compromisso Portugal descobriu um António Costa particularmente pessimista em recente reunião com deputados socialistas.
Um pessimismo que os auscultados pela publicação viram como antecipação de eleições - uma cartada que Costa trará na manga.
Ao longo destes meses, o puxar do tapete quando a situação o recomende tem sido um truque várias vezes lembrado ao primeiro-ministro por críticos da solução Governo apoiado pelas esquerdas parlamentares.
Em simultâneo, dá-se voz a Jerónimo de Sousa quando diz não estar garantido o voto do PCP no Orçamento do Estado 2017. Ou vinca-se o melindre comunista por não ter sido chamado a discutir a composição do Tribunal Constitucional. Tudo linhas de cesura entre o Governo de António Costa e um dos partidos que o têm apoiado na Assembleia da República.
Além da falta de cumprimento do acordado com o PSD, a não eleição de Correia de Campos para o Conselho Económico Social também terá contado com a ausência dos votos dos camaradas de Jerónimo de Sousa. Uma questão acessória mostra ao PS que, no seu próprio interesse, talvez não se devesse ter desviado da convergência iniciada nas últimas legislativas.
Mas o OE 2017 já não é uma questão acessória. Na semana passada, Arménio Carlos e um sindicalista da UGT eram entrevistados por José Alberto Carvalho. O secretário-geral da CGTP era questionado acerca da anunciada não subida dos não nominal dos salários dos funcionários públicos. E exigia-a e dava alternativas de receitas - do fim de swaps, da reversão de parcerias público-privadas, do fim de avenças do Estado com escritórios de advogados e empresas de consultadoria informática.
E de repente, Arménio Carlos lembrou que nos acordos entre PEV, PCP, BE E PS, que vieram a permitir a actual solução governativa, nada havia referente ao aumento dos funcionários públicos. O que havia era o fim de um conjunto de cortes feito pelo Exectuivo de Passos Coelho e de Paulo Portas. Arménio Carlos vincava a linha de Jerónimo ao afirmar só votar o OE 2017 "se não reverter direitos dos trabalhadores".
A língua é de pau e às vezes exige uma certa hermenêutica, mas há previsibilidades nas entrelinhas que muitos ignoram.
Diluir os subsídios de Natal e de Férias ao longo do ano nos salários é um velho desejo da direita, há muito defendido por figuras como Bagão Félix.
Dizem que é mais justo, uma vez que o trabalhador tem direito a essas verbas que assim ficam desde logo à sua disposição. Defendem ainda que facilitam a vida das tesourarias das empresas, que deixam de necessitar de dois meses no ano em que movimentam uma massa salarial duas vezes com o dobro do tamanho habitual.
Pedro Mota Soares que se tem especializado em mostrar na prática o trabalho do partido dos contribuintes, pobres e reformados volta à carga com essa velha ideia em conselho de concertação social. E diz querer começar a devolver subsídios aos trabalhadores logo no primeiro mês de 2013.
A proposta que parceiros como a UGT se arriscam a aceitar - não tem aceitado tudo? - é uma armadilha adoçada pelo rebuçado de não ver o ordenado cair tanto em Janeiro. A medida permitirá que com o valor diluido em duodécimos fique criada a ilusão de um aumento de salário.
Em breve, será sobre essa massa que se farão cálculos e estimativas salariais e num prazo mais curto que longo, estarão os subsídios enterrados de vez e entretanto comidos pela inflação.
Absolutamente transgeracional, a manifestação de ontem no Terreiro do Paço não teve a amplitude sociológica do 15 de Setembro, ou da vigília do Conselho de Estado.
João Proença, que pertence à Comissão Nacional do Partido Socialista, pode ter ajudado a desmobilizar muitos dos afectos aquele partido, mas a debandada do grosso da multidão após ouvir o discurso de Arménio Carlos, o secretário-geral da CGTP, também indicia um perfil diferente dos protestos. A essa hora, ainda um grosso caudal de gente desfilava compacta entre o Rossio e o Terreiro do Paço. Do ponto de vista da organização e da eficácia, tinha-se ganhado em fazer a coisa transbordar e durar.
O recuo na TSU, trocado por medidas igualmente gravosas em termos financeiros, pode ter acalmado muita gente, e Cavaco demorou duas semanas para ouvir a CGTP acerca desse assunto. A intenção de marcar uma Greve Geral, aberta à participação da UGT, segue em rota de colisão com a forte opinião publicada. Acabará por soar a marcação de ponto. A não ser que o Orçamento de Estado reavive hostes.
(Foto: radiocampanario.com)
A TSU teve o condão de despertar uma grande maioria de portugueses para a injustiça da governação do PSD/CDS-PP e da presença da tróica. Foi quando perceberam que lhes iam aumentar os descontos para a reforma não para fazer face às dificuldade da Segurança Social, mas para transferir o dinheiro obtido para as contas dos seus patrões.
Acordou-se. Em todos os quadrantes ideológico. Em todos os sectores profissionais. Mais vale tarde que nunca. Só que há um problema. É que o esbulho, que outro nome se lhe pode dar?, não é de agora. E continua.
Já há muitos anos que os portugueses andam a transferir o seu dinheiro para o bolso dos patrões. Conheci muitos e muitos estagiários, licenciados, a quem os pais pagavam para trabalhar. Vindos de fora de Lisboa, alguns ganhavam menos que o salário mínimo, insuficiente para fazer face às despesas com transportes, alimentação e habitação, e trabalhavam às dez e doze horas diárias. Isso não impedia que chefias recebessem anualmente prémios de dezenas de milhares de euros pelo sucesso comercial do empreendimento ou que o patrão pudesse perder 50 milhões de euros em bolsa. E nem falo do meu caso.
Sucessivos códigos laborais (de Bagão Félix, de Vieira da Silva, de Pedro Mota Soares, CIP, CCP, CAP e UGT) aumentaram o tempo de trabalho, flexibilizaram-no, acrescentaram-lhe mais meia-hora, cortaram feriados, desvalorizaram o valor das horas extraordinárias e do trabalho suplementar, esmagaram indemnizações, desestruturaram vidas familiares e atiraram as mais valias resultantes da coisa para o bolso de patrões, que nem por isso contrataram mais gente.
No fundo, é o efeito pimba. O gosto está por educar e o óbvio vence. Isso explica o sucesso de Tony Carreira em contraponto com, por exemplo, Amélia Muge, uma compositora de excepção. Só quando a coisa se torna muito evidente é que a população a percebe.
Cavaco aprovou o código de Trabalho, uma oportunidade aproveitada pelo PSD e CDS para um ajuste de contas, com a cumplicidade ou pelo menos a permissividade do PS e da UGT.
Entre os argumentos para não enviar a lei ao Tribunal Constitucional, o Presidente da República refere os "apenas" 15 por cento de comunistas, bloquistas e verdes que votaram contra ela.
Esquece que mais de 50 por cento dos eleitores votaram em Cavaco para cumprir e fazer cumprir a Constituição, pese embora os seus baixos indíces de popularidade e de reconhecimento do trabalho feito.
Esquece ainda que são já 605 mil os que recebem o salário mínimo, mais do dobro que há quatro anos, e que se juntam ao mais de um milhão de desempregados.
Que as sucessivas reformas das leis laborais acompanharam o crescimento do desemprego e não a sua queda, ao contrário do que afirmam a direita, as centrais patronais e a tróica.
Ignoro se o novo código terá ou não elementos que violem a lei fundamental, mas o número de deputados que o viabilizaram não será de certeza um indicador da lisura constitucional do diploma. Que Cavaco ache que sim admira pouco, mas sossega ainda menos.
João Proença dirá o que quiser sobre salários, como aliás tem dito de outras vezes, mas a assinatura responsável no acordo de concertação social contribui objectiva e directamente para a compressão salarial e para agravar desigualdades.
Boa parte dos eleitores do PS não se reconhecem nas medidas que o seu partido leva a cabo quando passa pelo Governo. Boa parte continua a votar nele por hábito, clubismo ou reiterada concessão do benefício da dúvida.
Não evita, no entanto, que uma ampla massa olhe com esperança para epifenómenos como o Alegre da primeira candidatura presidencial.
Embora previsivelmente não os faça mudar de campo na hora de votar, a assinatura pela UGT do novo acordo de concertação social aliena todos esses eleitores.
Torres Couto, o histórico sindicalista, volta a ser duríssimo com a postura da organização de que foi fundador e polémico secretário-geral. O acordo ontem bastamente elogiado rebenta literalmente nas mãos de que o assinou.
Com a contestação a endurecer também dentro da esquerda socialista, o Governo terá ainda menos espaço para fazer o que vem fazendo.
Nomeações como a de Catroga ou de Celeste Cardona, salários de nove mil contos acumulados com pensões de dois mil, deslocalização das empresas de opinion makers, acordos como o de ontem, criam condições para um novo espírito crítico.
A continuada higienização de pontos de vista levada a cabo pela opinião publicada tem cada vez menos espaço de manobra.
As cândidas justificações de João Proença para ter assinado o novo acordo de concertação social são curiosas, vá.
Cito de cor mas é mais ou menos: "O acordo é mau, mas eles deixaram cair a meia-hora e a passagem dsso ainda seria mais grave."
Ou seja, se calha o Governo propôr que o pessoal seja chicoteado caso falhe níveis de produtividade, Proença respirará de alívio ao aceitar apenas o uso de uma bola de chumbo amarrada ao tornozelo.
Nem é preciso. Há sempre uma central sindical para fazer esse serviço, embora dez anos de reformas laborais e as promessas de Bagão Félix e Vieira da Silva não tenham travado o crescimento do desemprego nem melhorado a competitividade das empresas.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.